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1950 - I SÉRIE-NÚMERO 59

de amplitude de direitos próprios dos juízes garantir que não vivemos num regime que seria, então, de anarquia judiciária é «apenas» o Conselho Superior da Magistratura! E o Governo não quer, em circunstância alguma, alterar o sistema político-institucional que garante de tal maneira a independência e o autogoverno da magistratura.
Mas, se assim é, porque nos achamos numa posição de Estado em representação dos cidadãos - somos todos representantes dos cidadãos e não dos juízes a não ser enquanto cidadãos que também são-, temos de ter um particular cuidado no sentido de definir a natureza, a transparência e a composição deste único orgão que, no sistema português, responde pela gestão, pela transferência, pela classificação e, portanto, pelo correcto funcionamento da magistratura enquanto magistratura.
Face a esta estrutura de Estado como órgão fundamental, digamos que se trata da expressão viva da própria soberania que cabe aos tribunais, temos de ter - independentemente das pessoas em concreto, porque isso não está em causa - um estatuto que garanta inequivocamente que é a representação de Estado que ali se encontra reflectida, nomeadamente, pela designação de duas personalidades pelo Presidente da República, pela eleição de sete personalidades pela Assembleia da República e pela eleição de sete juízes pelos juízes. Simplesmente, a lei ordinária, que não é da autoria deste Governo, vem dizer claramente que, destes sete juízes, um é conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, dois são juízes desembargadores do Tribunal da Relação e quatro são juízes de tribunais de 1." instância. Ora, tal significa que é fundamental haver uma representação de interesses de Estado ao nível dos respectivos tribunais, porque não temos um conselho de gestão - e, neste caso, é que utilizo a expressão - corporativo-classista da magistratura mas temos um conselho de gestão de interesses de Estado. Portanto, os magistrados não são eleitos para representar os seus interesses de classe ou corporativos mas para representar a interioridade dos órgãos de soberania que são os tribunais e os interesses de Estado que se reflectem no plano de cada um dos escalões em que a magistratura judicial está subdividida.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que conclua, Sr. Ministro.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Nesta perspectiva, quando refiro a não constituição de uma lista por parte do sindicato, evidentemente que não estou a pretender que o sindicato não possa, nomeadamente, apoiar as listas produzidas exteriormente. O que me parece claramente incorrecto é que a própria lei considere que o sindicato é, originariamente, fonte legitimadora de eleição, porque é aí, justamente, que o interesse de classe é transportado a um órgão que, por natureza, não é, não deve nem pode ser um órgão de classe ou de ressonância sindical.
Tal não retira qualquer poder ou direito ao sindicato. O que não podemos fazer é criar uma estrutura em que, simultaneamente, a entidade encarregada da gestão pode ser maioritariamente constituída por elementos que são aqueles que ela deve gerir do ponto de vista estritamente profissional.
O conselho permanente, aquele que, no fundo, faz a gestão efectiva, tem a maioria dos magistrados eleitos e teríamos criado, nesta situação, um nó cego incompreensível do ponto de vista da gestão administrativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: É óbvio que o Sr. Ministro da Justiça não deve ter tido conhecimento do relatório aprovado na 1.º Comissão, onde se colocavam questões de constitucionalidade do diploma em apreço. Por isso, recomendaria à 1." Comissão que tratasse o Sr. Ministro da Justiça da maneira contrária àquela por que o Sr. Ministro trata a Comissão. É que o Sr. Ministro da Justiça anuncia as reformas quando, lá fora, anuncia a cidade judiciária e nós só sabemos dessas reformas pelos jornais. Por isso mesmo, nós, que tratamos isto como uma questão de Estado e gostamos de colaborar para que a justiça seja bem administrada e saia da crise, deveríamos dar conhecimento ao Sr. Ministro da Justiça dos relatórios por nós aprovados, para que possa dar resposta às questões de constitucionalidade da proposta, que não foram respondidas pelo Sr. Ministro. Penso, aliás, que tal questão é importante e não tenho, pois, a opinião do Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Começarei, no entanto, por citar uma intervenção do Sr. Ministro da Justiça proferida na recente Conferência Nacional sobre o Estado da Justiça, promovida pelas estruturas sindicais das magistraturas e pela Ordem dos Advogados. Depois de enunciar, sucintamente, uma teoria que seria adjuvante da de Montesquieu - uma teoria da separação dos deveres -, o Sr. Ministro da Justiça afirmou: «À autoridade que acompanha o poder suceder-se-ia a humildade que caracteriza o dever.» E acrescentou, sugestivamente: «Às tentações de contrapoder» (esta é uma palavra que começa a ser obsessiva para o Sr. Ministro) «substituir-se-ia a solidariedade institucional, que não anula a independência, antes potência os seus efeitos positivos.»
Se a primeira afirmação - a da separação dos deveres - se encaixava mal na temática principal que ocupou o Sr. Ministro da Justiça nessa intervenção e que já era a da eleição do Conselho Superior da Magistratura, a segunda conclusão - a do contrapoder - fazia luz sobre os verdadeiros motivos que subjaziam à defesa de uma proposta como a que hoje aqui discutimos. Na verdade, toda a actuação do Governo na área da justiça tem-se pautado pela violação dos deveres do Executivo relativamente ao poder judicial.
Este, que administra a justiça em nome do povo e, como tal, potência a participação popular no exercício da soberania, assim se realizando também o Estado de direito democrático, tem o direito às condições mínimas necessárias à administração da justiça, direito que abarca várias vertentes, desde as reformas legislativas necessárias a uma justiça ao alcance de todos e, portanto, participada pelo povo, até um estatuto digno das magistraturas e dos advogados, respeitando a função que a todos cabe, passando pelas condições materiais pelo menos suficientes para a existência de um poder judicial forte. Tais condições materiais abarcam não só os meios de funcionamento dos tribunais mas também o próprio sistema retributivo das magistraturas, que é parte integrante do seu estatuto.
Na verdade, tal como se conclui, por exemplo, da lei espanhola sobre os magistrados judiciais, o sistema retributivo dos juízes não pode ser desligado do seu estatuto de independência perante os outros dois poderes.