1951 - 16 DE ABRIL DE 1993
No Congresso da União Internacional dos Magistrados que se realizou em Macau em Outubro de 1989, salientou-se que existe uma possibilidade de influência indirecta sobre o trabalho dos juízes pela via dos meios materiais postos à disposição do poder judiciário.
Ora, se se tratasse de melhorar substancialmente a lei aprovada pela Assembleia em 1985 sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais, impor-se-ia que esta proposta resolvesse a questão que tem vindo a causar incomodidade e descontentamento entre as magistraturas: a da suspensão do sistema retributivo determinado pela Lei n.º 63/90, que não está resolvida no projecto de lei do PSD.
Se, por outro lado, se tratasse de reforçar a independência do poder judicial, a proposta de lei não deveria também deixar de consagrar a autonomia administrativa e financeira do Conselho Superior da Magistratura. Tal autonomia é absolutamente indispensável a que o Conselho- órgão constitucional de soberania - tenha um estatuto de verdadeira independência e, consequentemente, a que seja reforçada a independência externa do poder judicial. Sem essa autonomia, o poder executivo dispõe sempre de um meio indirecto de influência sobre a magistratura.
Afirma-se no relatório final do referido congresso que, para além de ser necessário que os representantes do poder judicial sejam associados à elaboração do Orçamento e à sua discussão com os membros do Governo e do Parlamento, é indispensável que o controlo das verbas orçamentadas seja colocado sob a alçada dos representantes do poder judicial. O estatuto de independência dos juízes fica incompleto se o órgão de direcção e gestão da magistratura estiver dependente, quanto aos meios, do Ministério da Justiça, do poder executivo, que desta forma, indirecta e ocultamente, tem ao seu dispor a forma de limitar aquela gestão e direcção.
De facto, é importante realçar que as questões relativas ao estatuto dos juízes e ao estatuto do Conselho Superior da Magistratura não são, de forma nenhuma, questões corporativas mas questões de Estado, embora não sejam como tal tratadas na proposta de lei. São questões relativas à realização do Estado de direito democrático. É realmente o Governo, através do Sr. Ministro da Justiça, que quer conferir ao Conselho Superior da Magistratura características corporativas, contra o que a Constituição dispõe: os conselheiros elegem o conselheiro, os desembargadores os desembargadores e os juízes de direito os juízes de direito.
É o Governo que, para fugir ao debate da profunda crise - na afirmação recente, na televisão, do Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados -, crise que afecta a justiça por incumprimento dos deveres do poder executivo, se assume, nesta matéria, como um contrapoder. Na verdade, tal como diz Gomes Canotilho nas suas Lições de Direito Constitucional, os conselhos superiores das magistraturas apresentam-se, no figurino constitucional, como órgãos de defesa da independência externa dos magistrados relativamente aos outros poderes estranhos à organização judiciária. Mas, como diz Gomes Canotilho, não são órgãos de autogoverno das magistraturas.
De facto, citando ainda o mesmo autor, a composição mista - membros eleitos pela Assembleia da República e membros eleitos pelas magistraturas - aponta no sentido de órgãos independentes de administração da justiça, mas sem as características dos esquemas organizatórios da auto-movimentação corporativa, livres de qualquer ligação à representação democrática. Contraria, assim, o próprio estatuto constitucional do Conselho Superior da Magistratura a proposta do Governo, que, ao estabelecer as regras que referi da eleição de castas por castas, quer transformar o Conselho num órgão semi-corporativo tendencialmente propenso à defesa dos interesses dessas castas, que não do interesse da justiça.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exactamente!
A Oradora: - O Conselho é incómodo - assim parece - para o Sr. Ministro da Justiça? Serão incómodos todos quantos se manifestam contra a política de justiça?
O Governo não hesita e investe contra a Constituição pela fornia já referida, mas ainda porque, em primeiro lugar, pretende ignorar a regra da unidade da magistratura judicial estabelecida no artigo 217.º da Constituição da República e, em segundo, faz letra morta da alínea c) do n.º l do artigo 220.º da Constituição, que não deixa margem para dúvidas: o colégio eleitoral é único e a eleição feita pelo sistema de representação proporcional. Ora na proposta em discussão, não há qualquer dúvida de que o juiz conselheiro seria eleito pelo sistema maioritário, já que não se podem eleger três quartos de conselheiro por uma lista e um quarto por outra.
A divisão dos colégios eleitorais vicia pelo menos no que toca à eleição, aqui patentemente, dos juízes da relação, o sistema de representação proporcional estabelecido na Constituição. Esta é, aliás, uma engenharia eleitoral conhecida daqueles que fazem tentativas de manipulação de círculos eleitorais através da sua divisão.
O afrontamento da independência do poder judicial não se ficou, no entanto, por aqui: a proposta vai ao cúmulo de impor ao Conselho a convocação dos presidentes das relações quando se trate de graduação para acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Esta disposição viola manifestamente o estatuto constitucional da independência de um orgão constitucional: o Conselho. Penso até que a proposta nem será do agrado dos presidentes das relações, que, detendo funções de conteúdo administrativo e de representação, não assumirão de bom grado - estou certa - o papel que não será mas poderá parecer resultante de desconfiança do poder executivo relativamente à actuação do Conselho. Haverá alguém que, não o sendo, goste de parecer sátrapa no distrito judicial?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, dissemos, logo no início, que a afirmação do Sr. Ministro da Justiça quanto ao contrapoder fazia luz sobre as verdadeiras razões da opção do Executivo relativamente à forma de eleição do Conselho Superior da Magistratura e também sobre a alteração do Estatuto, que retira às organizações sindicais a possibilidade de apresentarem lista para a eleição daquele orgão. É aqui que o poder executivo se assume como contrapoder, parecendo levar a mal todas as críticas, aliás construtivas, que juízes e a sua associação sindical têm feito à política de justiça.
Quando referi que a proposta era um ataque à independência da magistratura não fiz mais do que reproduzir, aliás, o parecer do Conselho Superior da Magistratura, que ouvimos de viva voz na Comissão e que precisamente começou a sua intervenção por essa referência, a de que era efectivamente um retrocesso na autonomia, na independência e na garantia de um poder judicial forte.
Gostaria ainda e porque estou em maré de citações do Sr. Ministro da Justiça de aqui repetir o que por si foi