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1954 - 16 DE ABRIL DE 1993

Efectivamente, o Ministro da Justiça não deve propor à Câmara diplomas inconstitucionais! Os outros podem evidentemente fazê-lo contra o seu parecer, mas V. Ex.ª não deve propor diplomas inconstitucionais à Câmara!

O Sr. Presidente: Peco-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, vou colocar só mais duas questões ao Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - O limite da benevolência que V. Ex.ª pediu à Mesa já está esgotado, mas a Mesa também é paciente.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, quero colocar-lhe agora duas questões ainda menores do que aquela que considero ser a maior, ou seja, a forma de designação dos membros do Conselho Superior da Magistratura.
Uma delas, que também nos foi veiculada pelos Srs. Magistrados do Conselho, tem a ver com o problema das incompatibilidades.
Sr. Ministro, os membros do Conselho - e não é que eles o tenham dito - queixaram-se apenas das restrições introduzidas na nova redacção. Penso que aqui talvez haja algum defeito de formulação, porque, primeiro, o Sr. Ministro alarga as compatibilidades, digamos assim, a tudo o que não é exercido profissionalmente, portanto contra remuneração (em princípio, a remuneração é um elemento indiciador do carácter profissional do exercício da actividade), mas, depois, entra, de certo modo, em contradição, referindo-se em concreto às funções docentes, ao dizer que essas poderão ser desempenhadas, quando não remuneradas. Só que essas funções, quando não remuneradas, não são exercidas profissionalmente! Portanto, há aqui qualquer coisa que parece desnecessário.
Por outro lado, a redacção que V. Ex.ª deu ao n.º 3 do artigo 13.º pode deixar transparecer outra manifestação - mas o esclarecimento do Sr. Ministro vai, porventura, sossegar-nos - de alguma incompatibilidade sindical de V. Ex.ª Isto porque os termos em que este n.º 3 está redigido parecem autorizar que o Conselho proíba mesmo o exercício de funções directivas em organizações sindicais. Ou seja, não é claro, pela redacção deste preceito, que não seja esse o seu alcance.
Finalmente, Sr. Ministro, quero colocar-lhe o problema dos efeitos dos recursos das decisões do Conselho. É estranho que V. Ex." tenha restringido o efeito suspensivo às decisões mais brandas em matéria disciplinar. De facto, não compreendemos que isso seja assim. Aliás, na linha do parecer da 1." Comissão, atrevíamo-nos a sugerir que V. Ex.ª aplicasse pura e simplesmente o regime geral do recurso contencioso de actos administrativos e do possível efeito suspensivo desse recurso, que, parece-nos, seria mais benévolo e mais correcto para os magistrados do que aquilo que acaba por propor.
Sr. Ministro, são estas as considerações que pretendíamos fazer. Elas revelam a atenção com que procurámos ler e apreciar o diploma apresentado por V. Ex.ª e reflectem alguma da nossa preocupação em termos de possível declaração de inconstitucionalidade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O momento de legislar sobre a magistratura chama inevitavelmente ao debate político a questão mais estimulante, que é também a menos resolvida da teoria do Estado no nosso tempo: trata-se do problema de enquadrar o poder judicial com o perfil que hoje tem, no âmbito dos poderes que o Estado de direito reconhece e sustenta.
De facto, se compararmos o desenvolvimento do perfil dos órgãos judiciários nos países ocidentais, ao longo deste século, com o desenvolvimento do poder legislativo ou executivo, reconhece-se que o primeiro vem ganhando por larga margem a partida. Coube-lhe, pela sua própria natureza, potenciar uma dinâmica imprevisível para os clássicos da sua concepção - e, neste sentido, ter-lhe-á cabido a melhor parte.
Qualquer que seja o plano em que se situe, a decisão judicial tomou-se a contra-imagem daquilo que Montes-quieu e outros viram nela: não é mais um poder neutro, nem absolutamente subordinado à lei. Embora adequando-se a ela, a sua margem de criatividade interage, de forma muito vincada, no processo de criação do direito, o que esbate, em muitas ocasiões, a própria fronteira face ao legislativo.
E porque assim acontece, cresceu igualmente a margem de intervenção social dos magistrados. De não actores, colocados acima da conflitualidade, desempenhando em teoria um papel de quase ascética indiferença, eles assumem hoje, claramente, um papel social conformador, tão sensível em ramos do direito como o penal, o do trabalho ou o da família, que é - referindo o caso português que nos compete-, de forma geral, exercido (e espero que continue a sê-lo) com sobriedade, empenho e alto espírito de adaptação aos novos princípios que emergiram com o advento da democracia.
A este respeito, uma palavra é devida aos juízes que se dedicam à matéria penal, confrontados com a inovação e a modernidade do Código de 1982, estruturado com base em princípios de moderação e tolerância que constitui uma das principais referências legislativas que temos - referência essa que o projecto de alteração solidificou.
Mas, adquirido que é que a criação judicial existe e que tem um efeito modelador do direito - o que significa interacção sobre o legislativo-, bem se compreendem as dificuldades que a situação levanta numa sociedade democrática. A principal destas reside no facto de os juízes não serem eleitos pelo povo com base num programa ideológico mas, antes, nomeados, regra geral, por forma vitalícia e através de procedimentos que escapam ao controlo dos cidadãos.
É isto que torna complicado o assumir que decidam com base em princípios, pontos de vista valorativos, concepções ideológicas, não homologados pelos poderes do Estado que gozam de representatividade legitimada pelo voto. E que bem explica os esforços empreendidos pelo pensamento contemporâneo no sentido de minorar os efeitos desta aporia.
Um dos principais esforços, que vale referir pelo virtuosismo que encerra, empreendeu-o Ronald Dworkin. Segundo o autor de Tornando os Direitos a Sério, competiria distinguir entre princípios e políticas, restringindo-se a margem de actuação judicial aos primeiros e ficando vedada relativamente àquelas.
Mas a tese não pode ter acolhimento, porque nunca foi clara para ninguém a distinção entre princípios e políticas