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20 DE OUTUBRO DE 1994 0009

Os piores inimigos da participação são o alheamento, e a indiferença Não se resiste à impressão de que tudo isso volta a ser empenhadamente cultivado.
O que está em causa são as actuais formas de autoridade. É o desperdício da autoridade difusa e do pode" de legitimação que comporta, que, no dia a dia, se perde ao transformar-se em poder de facto, na forma de actos Isolados ou grupais de indignação e de protesto.
Como tem reagido o Executivo? Indignando-se ele próprio. Tentando forçar o regresso ao civismo através da criação de novos delitos e de formas cada vez mais sofisticadas de policiamento e repressão Tentando erradicar da Constituição modelos de descentralização que ela própria especifica e prevê. Servindo-se do clientelismo como sucedâneo do medo, ao serviço da retoma de uma atmosfera de bom rapazismo. Não nos iludamos As relações humanas são de sua natureza conflituais Se, em vez de reconhecermos isso, tentarmos desvitalizá-las por método , desajustadamente repressivos, apenas cultivaremos a mais perversa das ilusões Só com mais democracia poderemos evitar o recurso a formas impósitas de cidadania.
Requisito de cidadania é lambem o direito à verdade. Dito de outro modo. a um discurso oficial político leal E a uma informação objectiva, rigorosa e séria.
Temos de reconhecer que se tem abusado do discurso político inescrupuloso, do auto-elogio eleiçoeiro, de promessas incumpríveis e incumpridas, de rituais de glorificação e notabilização pessoal, que desposam mal o pendor não dife-rencialista das concepções genuinamente democráticas
Perpassa no tecido constitucional o princípio da igualdade. Desde logo perante a lei, o mais socializado de todos os bens. Mas também no que diz respeito às oportunidades. Discriminações, só as de conteúdo positivo
Pois grassa aí uma tal maleita diferenciadora, que foi! já sem surpresa que deparei com propostas de revisão tendentes à consagração constitucional do direito "a todas as diferenças" e à proscrição de "quaisquer discriminações".
Dei por mim a perguntar: Pois "todas as diferenças"? Mesmo as socialmente negativas? E "quaisquer discriminações"? Mesmo as socialmente positivas
Contrapusemos nós o direito ao livre desenvolvimento da personalidade
Será que nos surpreende o desagrado dos desvaforecidos?
Valor básico do nosso sistema jurídico-constitucional é também uma filosofia centrada no Homem e nos seus direitos fundamentais.
Apesar disso, assistimos a quê? À monetarização dos valores, à exaltação da competição, à deificação do lucro, à fé cega no mercado e nos seus demiúrgicos arranjos Ao Estado reserva-se o papel do grande culpado. É preciso comprimi-lo, apoucá-lo, empurrá-lo do palco económico, substituí-lo por expedientes secundários no cenário social Que se limite a manter a ordem e deixe operar o sistema geral das trocas. A felicidade universal virá automaticamente e por acréscimo.
Perguntam os mais desfavorecidos então porque não vem? E quando aparece alguém a afirmar que, para si, às pessoas estão primeiro, deitam-se por sobre o atrevido pazadas de pragmatismo, de economicismo e de tecnocracia, com o adjunto de alguns convenientes indicadores estatísticos
A democracia e, sobretudo, o Estado de Direito postulam a rectidão e a transparência Ao invés, vemos encastelar-se a corrupção e a opacidade E quando alguém propõe que se passe das palavras aos actos e ao termo de secretismos que nada justifica, são as esquivas que triunfam e a escassez de meios de combate que adiam, quando não comprometem as inadiáveis respostas.
Também a nossa Constituição encarece a reserva da vida pessoal, privada e familiar Mas e a devassa que campeia Os telefones funcionam - a ajuizar pelas queixas - em sistema de fios comunicantes com ouvidos mais curiosos do que seria próprio de um Estado de direito Aparecem microfones onde não há discursos nem cantores. E quando uma funda apreensão se ergue em clamor, altera-se o esquema legal dos serviços de informações da República, centralizando no Primeiro-Ministro o seu controlo e reduzindo, relativamente à prática precedente, as competências do órgão de fiscalização na dependência do Parlamento
"Quem guarda os guardas"?
Os problemas deste fim de milénio- a explosão demográfica, o desemprego estrutural, o crescimentismo não desenvolvimentista, os desequilíbrios ecológicos, o aumento da insegurança, da criminalidade e o consumo da droga, a pressão das minorias étnicas, o êxodo rural e a concentração urbana, os perigos da engenharia genética, o regresso dos velhos demónios do nacionalismo agressivo, do racismo e da xenofobia, a desvitalização da consciência moral e, em geral, a crise dos valores - não afloram no discurso ou na prática política dos nossos responsáveis
Assistem, aparentemente satisfeitos e em paz consigo próprios, ao declive uniformizador, coisificante e massificador para que tudo desliza. Sem se darem conta de que são. sei lá, manifestações ostensivas de uma rebelião colectiva e larvar, aparentemente disposta a tudo pôr em causa.
Assim sendo, teremos nós o direito à surpresa quando assistimos à tomada de posse, por essa rebelião, dos melhores espíritos da sociedade civil? Quando vemos declinar o prestígio do Estado e das instituições políticas, a sedução do voto e a fé nas velhas receitas da democracia representativa? Quando verificamos que à tradicional letargia cívica sucede uma nova febre de cidadania e contestação, predisposta à substituição de uma classe política pretensamente responsável por todos os males, por uma sociedade civil supostamente dotada de todas as virtudes?
A pensar nestas e noutras rebeliões - que afloram nos fenómenos de corrosão social - propusemos, em sede de revisão da Constituição, aberturas à sociedade civil, que tivemos e temos por irrecusáveis e salutares Aguardamos respostas.
Ressalvadas as necessárias cautelas, para que se não regresse às aristocracias electivas e ao voto censitário, devemos ouvir os que se reclamam da "reinvenção do Estado", da "reinvenção do Governo" e de um "novo pacto social" de combate ao ódio. à injustiça, ao egoísmo e à solidão. E de recondução da vida em sociedade a novas formas de solidariedade, de arbitragem de conflitos e de auxílio mútuo. Um novo pacto com nova partilha de poder e novas formas da sua legitimação. Que não recue perante a procura de novos conceitos de Estado, de soberania e até de Nação. Estruturado em função do futuro e não na enlevada contemplação do passado. Que antecipe os terminais das tendências sem regresso Que interiorize a evidência de que a pobreza, a ignorância e o desemprego privam o cidadão da possibilidade de exercer a sua própria cidadania Que privilegie a defesa dos irrecusáveis e universais direitos do Homem. Que devolva a este a dignidade de medida de todas as coisas Que parta do postulado de que a resposta aos problemas, que a nova cidadania coloca, não está ou não está só em novas leis da nacionalidade, em mais rigorosos controlos da identidade dos cidadãos, em regimes mais apertados de entrada de imigrantes