1630 I SÉRIE - NÚMERO 47
Srs. Deputados, dou por encerrado o período de antes da ordem do dia.
Eram 17 horas e 25 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta dos seguintes inquéritos parlamentares: n.º 24/VI - Sobre os termos e condições em que agentes de serviços de informações levaram a cabo acções de vigilância e infiltração violadoras de direitos, liberdades e garantias de Deputados, autarcas e jornalistas, de cujos resultados terão tido conhecimento dirigentes do partido governamental (PS); n.º 26/VI - Envolvimento do Governo e do SIS em operações provocatórias contra cidadãos, associações e partidos políticos (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos novamente confrontados com a matéria dos serviços de informações.
Provavelmente, e sem grande esforço de antecipação sobre o resultado da apreciação das iniciativas que estão pendentes, quase poderíamos dizer que, a avaliar pelo resultado de debates anteriores, poderemos voltar hoje a uma situação do tipo de «chover no molhado».
É que, infelizmente, a nossa experiência quanto à matéria que se reporta à adequação do funcionamento dos serviços de informações aos princípios fundamentais do Estado de direito, designadamente no domínio da garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, tem-nos revelado uma impressionante indiferença sobre o tema por parte da maioria. Aliás, esta indiferença tem-nos permitido concluir, sem carregar as tintas dessa conclusão, que, para o PSD, o problema democrático circunscreve-se fundamentalmente a uma técnica de maioria para a legitimação do exercício do governo.
Por isso mesmo, o PSD mostra-se, sistemática e permanentemente, apenas preocupado com aquilo a que tem chamado os problemas da governabilidade mas, ao mesmo tempo, escamoteando problemas essenciais na sociedade aberta que, justamente, tem a ver com a protecção do núcleo fundamental de direitos por parte dos cidadãos, particularmente na relação entre estes últimos e os órgãos do Estado.
Naturalmente, quando se trata de um orgão do Estado tão sensível quanto à natureza da sua intervenção como são os serviços de informações, todas as cautelas seriam poucas para que o equilíbrio entre o interesse do Estado, por um lado, e a preservação das condições da liberdade individual e colectiva, por outro, fossem plenamente protegidas na lei.
A nossa experiência recente demonstrou como o PSD, insensível a este problema, acabou por confirmar uma solução para a fiscalização dos serviços de informações que não teve em conta todo o esforço dispendido, no sentido de garantir que a mesma decorresse preservando as condições de autonomia e de independência suficientes por parte do Conselho de Fiscalização, o qual, em consequência, garantisse que os serviços de informações não se desviariam das funções que lhes estão cometidas na lei.
Estamos hoje perante uma situação totalmente anormal e irregular do ponto de vista do funcionamento das instituições que é a que decorre da circunstância de os serviços de informações não terem fiscalização adequada.
Assim, sendo conhecidas as posições relativas dos partidos e sendo conhecida a do Partido Socialista, que representa um compromisso muito sério no sentido de que, no primeiro momento em que venha a dispor de maioria política, assumirá o propósito de alteração do sistema legal em matéria de Lei-Quadro do Sistema de Informações da República, para garantir a fiscalização em termos de autonomia e independência, importa hoje ter em consideração que, na ausência de uma fiscalização eficiente, apenas temos como órgão fiscalizador a própria Assembleia da República. Por isso, Srs. Deputados, a questão que se coloca é a de saber como, nestes termos, podem ser accionados os poderes de fiscalização parlamentar
Aliás, a este propósito, é importante que recordemos à bancada da maioria que, algumas vezes, foram os próprios Srs. Deputados do PSD a considerar que se, nalgum momento, alguma suspeição minimamente fundamentada estivesse em causa quanto ao modo de procedimento dos serviços de informações, então, haveria que fazer accionar os poderes constitucionais do Parlamento para que a fiscalização pudesse ocorrer nesse quadro. Ora, hoje, é exactamente isso que está em causa.
Perante notícias vindas a público, aquando dos incidentes na Ponte 25 de Abril, de que agentes dos Serviços de Informações de Segurança poderiam ter-se infiltrado no movimento social correspondente aos protestos verificados naquela ponte e que, para além disso, poderiam ter vindo a fiscalizar comportamentos lícitos por parte de titulares de cargos políticos, de autarcas, de jornalistas e de outros cidadãos, importa compreender que, perante os indícios deste tipo de ocorrência, acompanhados de outros igualmente preocupantes - como o termos assistido a alguns protagonismos políticos por parte de Deputados da maioria, assumindo informações apenas aparentemente conhecidas do domínio reservado dos próprios serviços de informações -, é imprescindível clarificar as coisas, justamente por se tratar de matéria tão sensível.
Há, pois, Srs. Deputados da maioria, que clarificar as coisas, contribuindo para o esclarecimento da seguinte questão fundamental: a de saber qual o verdadeiro âmbito de intervenção dos Serviços de Informações de Segurança.
Srs. Deputados, não nos esqueçamos que, enquanto na primeira formulação legal - reporto-me à Lei n.º 30/84 - o Serviço de Informações de Segurança havia sido concebido como um organismo incumbido da produção de informações destinadas a garantir a segurança interna nas áreas «necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido», a verdade é que as alterações impostas pela maioria vieram retirar este nexo relevante entre o domínio de segurança e aqueles actos que, pela sua gravidade, careciam de ser objecto da produção de informações por parte de um serviço com essas características.
Assim, através da imposição dos seus pontos de vista, a maioria veio alargar para margens ilimitadas as possibilidades de intervenção do Serviço de Informações de Segurança em todos os domínios - sem excepção - da segurança interna, confundindo, portanto, o que deveria ser a produção de informações em matéria de inteligência com o que são as informações normais de polícia, que, essas sim, deveriam estar circunscritas ao quadro das forças de segurança!
E porque hoje essa fronteira não pode ser delimitada e, pior, o âmbito de intervenção não é conhecido, a razão de ser do inquérito parlamentar aos incidentes que já descrevi, ocorridos na Ponte 25 de Abril, continua a ter peru-