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19 DE DEZEMBRO DE 1996 789

Todas estas são medidas de correcção do sistema, tal qual o temos, e teriam grandes potencialidades. O PSD não acreditou nesta correcção, à excepção (justiça seja feita aqui!) da Ministra Leonor Beleza, que acreditou, se empenhou e algumas coisas conseguiu. Mas, depois, o Governo não acreditou nesta possibilidade de corrigir o sistema; acreditou, por exemplo, na possibilidade de construir muitos hospitais, construir muitos centros de saúde, aumentar a capacidade de oferta - exactamente para, de uma forma que eu julgo que é mais fácil mas mais pobre - evitar os estrangulamentos do sistema, mas que, também, penso eu, de alguma forma, desresponsabilizou o sistema enquanto tal.
A outra possibilidade é a da reforma. Só numa situação de reforma é legítimo poder falar do sector privado e do sector público; só numa situação de reforma é possível falar de uma prestação mista e de um financiamento misto. Neste sistema actual, em que o Estado é monopolista, só com muito má-fé se pode pensar que a privada pode entrar por pequenas portas e daí não resulte uma extrema promiscuidade. Ou seja, a privada deve entrar e tem de entrar num quadro de reforma, se entendermos que a prestação tem de ser mista e deve ser mista, que o financiamento tem de ser misto e deve ser misto. E, nessa altura, ao Estado vai competir uma função fundamental que não está cumprida, que ninguém cumpriu: a função de regulamentar e de tornar transparente o mercado dos cuidados de saúde. Só aí terá conceitos como concorrência gerida, só então terá liberdade de escolha - e liberdade de escolha com a sua componente mais importante do ponto de vista social, que é o efectivo controle da qualidade. Todos sabemos que é assim.
Não é, neste momento, num sistema rígido e monopolista que vale a pena ou que tem qualquer significado abrir pequeninas portas para entrar, de uma forma que é promíscua, a privada - para fazer o quê? Para resolver os estrangulamentos do sistema?! Mas, então, de uma vez por todas, decidam se o sistema é para corrigir, se o sistema é para reformar ou se o sistema é para ser posto a um canto como o lixo onde os pobres vão ter de ir porque não têm outro sítio onde ir; vamos fazer uma coisa extraordinária que é canalizar os poucos recursos do sistema para medidas de facilidade e não para medidas estruturais de correcção.
Queria dizer ainda uma coisa que me parece pena que não tinha vindo aqui à colação e julgo que não foi por acaso que foi o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho quem apresentou esta questão: o problema dos sistemas de saúde é um problema geral, é um problema universal, é um problema que está em discussão nos países da Europa, que está em discussão na América, que está em discussão no Canadá, que está em discussão no Japão - não estamos a falar aqui em nada de novo. Por isso me parece que, ao menos, ver essa situação, seria o mínimo que nós, como Deputados, poderíamos fazer para pensar e decidir melhor. A escassez de recursos é uma constante - não é um problema nacional; a escassez de recursos em saúde vai ser uma determinante de todos os sistemas de saúde, quer queiramos quer não. O mercado de saúde é um mercado profundamente imperfeito: temos um consumidor que não paga, um consumidor que, portanto, está atreito ao chamado risco moral, conceito que certamente o Sr. Deputado Passos Coelho conhece bem; temos um terceiro pagador, conceito que também é importante não esquecer; temos um financiador que, normalmente, está alheio à despesa que é determinada na sua quantidade e na sua qualidade quase exclusivamente pelo prescritor este é o mercado da saúde.
Este mercado tem de ser corrigido, é um mercado imperfeito e precisa de ser corrigido - isso também é sabido em todo o lado. Sabemos também que, por causa disto, é um mercado onde a oferta induz a procura; não temos feito mais em Portugal do que aumentar a oferta, induzindo uma procura sem qualquer rentabilidade nem proveito, penso eu, para a saúde dos portugueses, que era o que devia preocupar-nos.
Finalmente, levanta-se aqui muito a questão do desenvolvimento tecnológico. Se o desenvolvimento tecnológico é grande em Portugal, é maior noutros sítios; e, noutros sítios, todos os responsáveis foram obrigados a pensar nesta questão: as coisas têm de ser feitas porque as coisas existem? Têm de ser feitas a todos? Têm de ser feitas a todos de graça? Têm de ser feitas em qualquer circunstância? É isto que, no fundo, ao criar (dentro desta grande angústia que, certamente, gera), por um lado, possibilidades cada vez mais crescentes de tratar as pessoas e, por outro, escassez de recursos, marca uma linha que é orientada pelo interesse do cidadão, pelo interesse daquilo que tem de se considerar ser uma política nacional de saúde e não pelo interesse da facilidade.
Por último, gostaria de dizer que, se vamos por medidas pontuais, vamos deixar o Serviço Nacional de Saúde como um labirinto de desespero onde ninguém se vai entender, que vai consumir recursos, que não vai ter orientações, que não vai ter perspectivas de reforma. Vamos, com os mesmos médicos que trabalham de manhã no Serviço Nacional de Saúde, com os mesmos doentes que não encontraram lugar no Serviço Nacional de Saúde, montar de forma artificial um sistema privado paralelo, sem vantagem para os prestadores privados, que não é isso que querem, que não é isso que pedem, pelo contrário: pedem regras claras, não têm qualquer receio de entrar numa concorrência gerida, de entrar no mercado de cuidados de saúde, conquanto as regras sejam definidas. Eles próprios já se cansaram de parasitar o Estado. A vossa medida podia ter actualidade há dez anos; hoje não tem actualidade nenhuma porque a indústria privada de cuidados de saúde não se vê assim, não se quer ver assim, quer ser tratada de outra maneira.
Terminaria dizendo que há aqui diferenças muito substanciais entre a posição do PSD e do PP nesta matéria e gostaria de deixar claro porque é que vamos votar contra esta medida: em primeiro lugar, porque não queremos defender facilidades, gostaríamos de defender o que é mais complicado mas é mais importante; não queríamos defender o consumo mas sim a qualidade; não queríamos defender a liberdade arbitrária que o senhores preconizam e querem consagrar, mas a responsabilidade do cidadão e do sistema. Portugal não pode continuar a ser um país de cidadãos irresponsáveis e os órgãos de soberania não podem atribuir aos cidadãos atestados de irresponsabilidade. É preciso fazer o discurso ao contrário: é preciso apelar para que cada um, antes de mais, cuide de si e só venha pedir ao Estado que entre quando ele já não pode ou já não é capaz de cuidar de si. É uma situação completamente diferente.
O PSD acha uma coisa extraordinária: é que quem paga mais impostos tem direito a mais cuidados de saúde. Nós achamos que quem paga mais impostos apenas e só pagou, através dos seus impostos, os cuidados de saúde daqueles que não podem pagá-los. A nossa perspectiva é completamente diferente: vamos estar aqui, sem qualquer