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I SÉRIE - NÚMERO 56 1948

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Figuram ainda entre os primeiros responsáveis políticos que tiveram a percepção de que a integrarão de Portugal nas Comunidades Europeias era o nosso novo destino colectivo, finda a ilusão da perenidade do império colonial. Recusaram, aliás, omito dessa perenidade, quando a generalidade dos portugueses ainda raciocinava e vivia no pressuposto dela.
Não foram, assim, em muitos aspectos, homens do seu tempo, concebido como forma de amarração intelectual e política. Viveram, por milagre dessa espécie de bruxaria que toca os mais dotados, em função do porvir. Anteviram-no e tiveram a coragem de desagradar aos deliciados com o conforto das convencionais rotinas. Foram assim, parafraseando James Clark, não políticos a pensar na próxima eleição, mas estadistas apensar na próxima geração.
Sá Carneiro optou por lutar por dentro contra a ditadura, assumindo alguma aparente incoerência em nome da eficácia da sua luta. Salgado Zenha preferiu continuar a combater por fora, mais exigente com a coerência do que com a eficácia do seu combate. Qual deles gerou mais incomodidade? Eis uma avaliação difícil. Fácil só a conclusão de que, um e outro, estiveram do mesmo lado da barricada e contribuíram com a sua inteligência e a sua coragem para o apodrecimento da maçã do poder despótico.
Quando a Constituição de Abril veio a ser o que foi, em parte o foi porque, antes de ter sido escrita pelos constituintes, havia sido assumida por aqueles que por ela lutaram, sofreram e morreram.

Aplausos do PS, do PSD e do Deputado do CDS-PP António Galvão Lucas.

Salgado Zenha e Sá Carneiro figuram entre os mais ilustres desses pré-constitucionalistas. Sabiam de antemão a Constituição que queriam e em coerência com ela viveram.
Descobri Sá Carneiro através da leitura dos excelentes artigos de opinião que, em plena ditadura, publicava no Expresso. Depois, através das notícias sobre o protagonismo da ala liberal na Assembleia Nacional e o papel por ele desempenhado no contexto dessa ala, que os jornais e o grupo político em que me integrava faziam chegar até mim. Admirei-o, assim, intelectualmente antes de pessoalmente o conhecer, mas nas posições que já então assumia estava presente o seu carácter.
O 25 de Abril marcou-nos um encontro de que guardo uma impressão inolvidável. Foi no I Governo provisório, de que ambos fizemos parte até à chamada "crise Palma Carlos", na sequência da qual ele viria a pedir a demissão. Depois disso, eu fui ficando nos sucessivos governos provisórios até que, no IV, eu próprio me demiti por já não ser capaz de acompanhar a passada frenética da revolução por caminhos que haviam deixado de ser os meus. O futuro viria a dar-me razão. O País passou a não se rever também nesse galope em direcção a um desastre colectivo e forçou a classe política a arrepiar caminho. A primeira revisão da Constituição, que intensamente vivi, constitucionalizou esse arrepio.
Fora do governo, onde foi de facto o equivalente de um vice-primeiro-ministro, Sá Carneiro dedicou-se à expansão do partido que havia fundado, identificado com a social democracia. Essa identificação reflectiu-se fielmente no seu primeiro programa e ainda no seu projecto de "uma Constituição para os anos oitenta". Num e noutro, Sá Carneiro reflectiu o ideário prevalecente nos primeiros tempos do 25 de Abril. Dele se viria a progressivamente distanciar. E tão ajustadamente o fez que o País fez vitorioso o seu partido e fez dele primeiro-ministro. Foi a morte, e não outro, o adversário que desse pedestal subitamente o apeou.
Sempre que veio ao Parlamento - e muitas vezes veio confirmou-se como parlamentar brilhante. De palavra fácil ao serviço de convicções fortes, dialeta subtil, doseando em termos hábeis autoritarismo e flexibilidade, condimentos reveladores de uma personalidade forte. Forte sem trair as exigências e os valores do ideário social democrata e, sobretudo, incapaz de ser indiferente à sorte dos mais desfavorecidos.
Marcou, com a sua passagem pelo poder, o novo Estado de direito democrático. Relembro-o com admiração, com respeito e com saudade.
Com Salgado Zenha as minhas relações vinham de mais longe. Desde Coimbra, em cuja Universidade coexistimos. Três anos de avanço em relação ao meu curso chegariam, em regra, para uma atitude de reciproco distanciamento. Mas havia a comunhão de ideias e o facto de ele ser visita frequente da minha república, onde tinha outros amigos e correligionários. Por isso, talvez por isso, deu por mim. Eu por ele é que não podia deixar de dar, porque Zenha foi ídolo da minha geração.
Primeiro presidente eleito da Associação Académica, demitido e preso, outros títulos de glória não seriam precisos, mas tinha-os! Era um estudante brilhante, a quem o regime roubou uma cátedra, um orador fluente e um exemplo de lucidez e coragem política para todos nós. Nasceu assim em mim uma admiração que havia de perdurar pela vida fora. Eça disse o mesmo da sua admiração por Antero, ídolo também da sua geração académica.
Ele já formado e eu em instâncias disso, reencontrámo-nos na campanha eleitoral da candidatura do General Norton de Matos, na qual eu fiz o meu baptismo de togo político; ele advogado em Lisboa, eu em Lourenço Marques, fomos, reciprocamente, correspondentes um do outro. Fui assim beneficiário e testemunha do seu altíssimo nível profissional.
Quando vinha a Lisboa - e vinha muitas vezes - fazíamos reuniões conspirativas em que se debatiam esperanças e desilusões. Reunia invariavelmente o grupo do costume: nós os dois, o Mário Soares, o Raúl Rêgo, o Gustavo Soromenho, o Vasco da Gama Fernandes, o Teófilo Carvalho dos Santos, o Magalhães Godinho, o Manuel Mendes, outros ainda. O Tito de Morais, neste momento tão doente, andava por Angola, primeiro, e pelo exílio, depois. Aí o conheci e para sempre o estimei. Desejo-lhe, sinceramente, um rápido restabelecimento.
Grupo do costume eram eles também para a PIDE, sempre que esta resolvia fazer algumas prisões exemplares.
Reencontrei-o também, como Ministro da Justiça e depois das Finanças, nos governos provisórios. Reencontrei a inteligência, a verve, a ironia, a exemplar rectidão de carácter. Filiado no Partido Socialista, de que ele era um dos mais destacados dirigentes, viemos, de jure, a co-