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3 DE ABRIL DE 1997 1949

pertencer à família política a que de facto já pertencíamos há muito.
Com o PS na oposição, experimentámos a exaltante aventura parlamentar. Como simples Deputado e como líder da nossa bancada, confirmou-se como parlamentar brilhante. Ficaram célebres muitas das suas intervenções, pelo rigor argumentativo, pela ironia cáustica, pela palavra fácil, pela exigência ética, ideológica e política.
Referência moral do Partido Socialista lhe chamou Mário Soares. E foi isso o que ele foi, e permanece sendo, para todos os que de perto o conheceram.
Cedo o ceifou também a morte. Diz-se que os deuses roubam cedo os que mais amam. Sá Carneiro e Salgado Zenha, bem justificaram esse amor.
Tive a honra de estar na origem da proposta de que a Assembleia da República mandasse esculpir e passar ao bronze os bustos destes dois grandes portugueses. De há muito se não venerava por esse meio a memória dos que honraram esta Casa ao passarem por ela. E raros serão os ex-Deputados que em mármore ou bronze ornam os espaços do Palácio de S. Bento que se alcandoraram, pela notoriedade política e parlamentar, aos cumes do mérito atingidos pelos nossos homenageados de hoje. Não foram, certamente, os únicos a justificar a distinção, mas figuram, seguramente, entre os que mais a mereceram.
A memória das nossas referências humanas deve ser cultivada. É esse um espaço que não podemos deixar ocupar pela inveja, pela avareza ou pela ingratidão. O gesto de hoje não deve ser por nós encarado como um impulso ou um rasgo. Ao fim de décadas retomámos este caminho. Vamos continuar a passar por ele.
É tempo de felicitar a escultora Carla Gonçalves pelo primor emprestado à captação, sem o suporte do original, da expressão dos dois ilustres desaparecidos.
Quero também felicitar o meu ilustre antecessor, Presidente Barbosa de Melo, pela feliz execução da deliberação unânime desta Assembleia.
Após ouvirmos o Sr. Presidente da República, que nesta Casa usa da palavra por direito próprio, interromperemos esta sessão para podermos testemunhar o acto histórico de descerramento dos bustos dos homenageados pela mão dos seus familiares aqui presentes.
Salgado Zenha e Sá Carneiro, que continuavam connosco pela recordação inapagável, passarão a estar também connosco através da doce ilusão de uma presença simbólica.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. ex-Deputados Constituintes, Ilustres Representantes das Famílias de Salgado Zenha e de Sá Carneiro, Srs. Membros do Governo; Srs. Deputados, Ilustres Convidados: Nem sempre, como hoje sucede, uma cerimónia evocativa é simultaneamente uma honra e uma satisfação profunda para quem nela participa. É que, para além do aniversário da Constituição da República, o que aqui nos traz é um acto de justiça para com os homens a cuja memória prestamos homenagem e, sendo um acto de justiça para com esses homens, é também um acto de confiança nas instituições criadas pela Constituição de 1976, Constituição de que se comemora hoje mais um aniversário.
Os constituintes de então são credores do nosso reconhecimento. Souberam, no respeito pelas regras da democracia, ultrapassar, mau grado todas as dificuldades e incidentes do percurso, divergências e contradições. Aceitando o veredicto do voto, construíram uma Constituição que, reflexo dos tempos que então se viviam, manteve ao longo das sucessivas revisões, ditadas pelo evoluir das circunstâncias, o seu esqueleto essencial, isto é, a consagração da liberdade e do estatuto de cidadania durante décadas negado aos portugueses.
Matriz e marco do Portugal democrático, a Constituição de 1976 traduzia, naturalmente, as contradições e as esperanças nascidas com a Revolução de Abril. Foi obra de constituintes empenhados sem reservas na construção de um Portugal novo e para quem a democracia era a conquista maior do 25 de Abril.
Democracia que a Constituição consagrou e que, se aqueles que conheceram o gosto amargo da repressão e da ausência de todas as liberdades medem hoje, no seu dia-a-dia, o significado, a sociedade portuguesa, no seu conjunto, interiorizou como valor natural inalienável. Nisso reside, aliás, a melhor prova de que a democracia se foi consolidando ao longo dos anos. A liberdade tornou-se parte do quotidiano dos portugueses e não é mais a lufada de ar fresco que o 25 de Abril trouxe mas o ar que todos os dias respiramos.
Só que - não devemos esquecê-lo - a democracia é um processo que se consolida, aprofundando-se através de uma acrescida participação dos cidadãos na vida pública. Não podemos ignorar que, com demasiada frequência, uma certa incultura democrática torna os cidadãos presas fáceis das campanhas que vão sendo desenvolvidas contra as instituições. E aqui vale a pena chamar a atenção para a necessidade de uma pedagogia democrática que é obrigação de todos nós e, às vezes, está por fazer. É importante e urgente levar junto dos cidadãos e, em particular, junto das escolas, o conhecimento das instituições democráticas, como regra ignoradas, e o seu significado como instrumentos de afirmação da cidadania. É um desafio que deixo a todos e a que, devo reconhecê-lo, também não posso nem quero furtar-me.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associar a evocação de Sá Carneiro e Salgado Zenha à comemoração do aniversário da Constituição da República é também uma forma de prestar homenagem não só aos que lhe deram corpo mas àqueles que, ao longo dos anos, lutaram para que isso fosse possível.
Francisco Sá Carneiro e Francisco Salgado Zenha foram homens de percursos distintos, de ideologias diferentes e de diferentes gerações, portadores de tradições culturais e experiências políticas divergentes, se não opostas, mas ambos marcaram de forma indelével, pela sua coragem e vigor das suas convicções, o processo de consolidação da democracia no pós 25 de Abril e ambos, ainda que por vias e modos diversos, deram um inestimável contributo na luta contra a ditadura.
Sá Carneiro, oriundo de um meio conservador, integrado nas esferas dirigentes do salazarismo, foi cultivando a