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1950 I SÉRIE - NÚMERO 56 

sua resistência no interior das influências que o rodeavam e acabou por entrar na política por opção própria e porque, como ele dizia, «por muito que se tenha sido educado no descrédito da política, é-se forçado a reconhecer que quando se começa a tomar em profundidade consciência da nossa própria existência pessoal e das realidades que nos cercam somos constantemente conduzidos a ela».
Sá Carneiro torna-se, assim, Deputado à Assembleia Nacional, acreditando no "marcelismo" como via para uma mudança do regime. As suas intervenções fizeram história e foram ditadas pela independência e pela coragem com que se manteve fiel aos propósitos que haviam justificado a sua opção. A experiência durou 3 anos, se tanto, e Sá Carneiro, perdidas as ilusões, renunciou, em 1973, ao mandato de Deputado, sem, no entanto, ter renunciado ao combate pela democracia.
Salgado Zenha, diversamente, foi formado na luta estudantil de oposição ao regime, luta que se tornou insensivelmente, como aconteceu com tantos dos estudantes universitários activos na vida associativa, em luta política pura e simples. Membro do Partido Comunista nos anos 40, será dirigente activo do MUD Juvenil e presidiu, em 1944, à Associação Académica de Coimbra. Nos anos 50 afasta-se do Partido Comunista e adere à Resistência Republicana e Socialista, criada em 1955 por Mário Soares, que viria a transformar-se, duas décadas mais tarde e após várias mutações, no Partido Socialista.
São, pois, dois percursos separados, por vezes opostos, que vão levar, depois do 25 de Abril, os dois juristas que, causídicos notáveis, também no foro haviam revelado as suas invulgares qualidades de inteligência - à Assembleia Constituinte, à Assembleia da República e aos Governos da República.
Porém, se os percursos foram distintos e as suas posições ideológicas divergiram, algo existia nas suas experiências que os levava a uma concepção da democracia, e, em especial, da democracia representativa, que lhes era comum e se traduzia numa prática pautada pelos mesmos valores da frontal idade e da coragem da rebeldia criadora. Ambos enfrentaram sempre sem tibiezas as dificuldades, cada vez que sentiam em causa os seus valores, recusando as convenções e os oportunismos, que podem tornar fácil uma carreira política mas lhe retiram o único sentido que, para eles, podia ter, isto é, o da realização dos projectos em que acreditavam.
Recusando o paternalismo dos ditadores ou a disciplina de clã, quando esta fere os ditames da consciência e a independência do pensamento, a democracia era, para ambos, a resolução das divergências através do debate de ideias, ou seja, o respeito pela opinião do contrário.
Salgado Zenha e Sá Carneiro não eram, honra lhes seja feita, homens de consenso, no que este possa significar de abdicação permanente de princípios e de valores, de negação do confronto de ideias e de projectos. Eram, sim, e ainda bem, homens de convicções, lutando por elas sem cedências a consensos fáceis mas paralisantes, não deixando, por isso, de serem homens tolerantes e que respeitavam o veredicto do voto como instrumento último para dirimir os conflitos em democracia. Eram, nesse sentido, representantes por excelência da democracia parlamentar, na sua expressão mais elevada e mais capaz de dignificar as instituições.
É, pois, esta Casa o lugar próprio para perpetuar a sua memória e é dever de todos nós honrar o que de saber democrático nos legaram.
Podemos - devemos, sem dúvida -, quando se comemora o aniversário da Constituição, interrogar-nos sobre se o nosso sistema político e parlamentar tem evoluído por forma a seguir os caminhos que estes homens procuraram que trilhasse. Certamente que nem sempre e nem sempre da melhor maneira, mas a lição de perseverança que eles também nos deixaram ensina-nos que está na mão de todos nós, responsáveis políticos ou cidadãos comuns, fazer com que o seu curso vá no sentido de uma prática política mais rigorosa, mais transparente, mais fiel aos valores e princípios de que cada qual se diz portador. Valores e princípios que os eleitos submeteram ao sufrágio e que os cidadãos que neles votaram têm o direito de ver respeitados, antes de mais, por quem os assumiu.
Salgado Zenha e Sá Carneiro acreditaram firmemente na importância de uma instituição parlamentar independente, respeitada e olhada pelos cidadãos como um elemento chave do controlo do executivo e da elaboração das leis. Uma instituição composta por pessoas livres e responsáveis, acima de tudo, perante aqueles que os elegeram. É nosso dever, também para com eles, como exemplo que foram de uma luta árdua e difícil pela instauração da democracia, mas, sobretudo, para com os cidadãos deste País, prosseguir a consolidação dessa democracia e prestigiar as instituições.
Que o sistema político carece de reformas que lhe dêem uma maior transparência e assegurem o exercício da cidadania é, creio, incontroverso.
Não deve, nem pode, o Presidente da República pronunciar-se sobre a revisão das instituições que está em curso. Isso lhe impõe o respeito, a que sempre será fiel, pela separação de poderes e também o respeito pelos que foram mandatados pelo voto para prosseguirem essa revisão. Mas pode, e deve, o Presidente da República manifestar o seu empenho no aperfeiçoamento das instituições democráticas, que a todos compete, aproximando-as dos cidadãos e fazendo com que estes nelas se reconheçam. Essa foi, Srs. Deputados, uma das nobres mensagens que Sá Carneiro e Salgado Zenha nos deixaram e também o propósito maior dos constituintes de 1976.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quero, por isso, agradecer publicamente o que fizeram por nós e por Portugal.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Srs. Convidados, declaro encerrada esta exaltante cerimónia comemorativa e evocativa.
Vamos fazer uma breve interrupção, após o que se seguirá a ordem normal dos trabalhos, fora deste propósito específico.

Eram 17 horas è 15 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana executou de novo o Hino Nacional.