25 DE OUTUBRO DE 1997 279
mos que as questões europeias são questões que se arrumam num compartimento estanque da actividade política em Portugal, e, portanto, são discutidas, ritualisticamente ou aprofundadamente nesta lógica, ou seja de compartimento estanque. Estamos condenados - felizmente, bem condenados - a viver e a conviver, sobretudo a viver, integradamente com uma realidade, que é a realidade supranacional. E, portanto, as consequências dessa «condenação» vão, naturalmente, ter de se fazer sentir em toda a nossa actividade parlamentar.
Logo, acompanhar o que é a intervenção de Portugal no contexto europeu é, no fundo, em cada momento, participar nos debates desta Assembleia da República, tendo em conta exactamente este raciocínio e esta medida. Não há nada, e tivemos oportunidade de o verificar nos últimos tempos - de resto, o Sr. Deputado Luís Sã referiu-se a isso, e bem, em três ou quatro exemplos que deu -, ou já não há praticamente quase nada que também não possa ter uma leitura mais universal, uma leitura de integração, quer a transposição de directivas, quer a legislação que produzimos, quer os actos de natureza política, orçamental, financeira, monetária, etc.
Tudo isto tem de ser hoje medido e visto à luz de uma nova realidade e, com toda a franqueza, sem querer, naturalmente, fazer qualquer partidarismo primário, que, a meu ver, não se justificaria, penso que também aqui há uma mutação qualitativa desde 1996 até hoje. Na verdade, se alguma coisa podemos efectivamente realçar é o facto de, hoje, as políticas portuguesas não constituírem uma mera adicionalidade ou complementariedade, se assim o entendermos, em relação àquilo que são as políticas europeias, mas serem elas próprias parte de um espírito europeu e constituírem a contribuição para a criação de uma própria política europeia, que, naturalmente, terá os apports das contribuições nacionais.
Quero com isto dizer que até determinada altura, e naturalmente vimos os tempos adequados para que assim fosse, as nossas preocupações em matéria de política orçamental, por exemplo, eram sobretudo de ajustar a economia portuguesa e a sua política orçamental ao desafio que pretendíamos vencer, e isto fez-se nessa linha de adicionalidade, de complementariedade. Hoje, estamos, felizmente, numa situação completamente diferente, porque o simples funcionamento automático dos mecanismos de política orçamental e financeira que foram introduzidos são suficientes para permitir que o cumprimento formal desses objectivos fossem atingidos.
Estamos numa fase qualitativamente mais rica, que exige da Assembleia da República, do Parlamento, dos Deputados, uma maior responsabilidade de acompanhamento, e aqui ninguém pode eximir-se a esta responsabilidade, pois não são apenas os partidos que suportam o Governo mas sobretudo os Deputados dos partidos que suportam a ideia europeia - e aqui há, naturalmente, clivagens, e felizmente que as há - que têm de dar o seu contributo positivo e qualitativo no sentido de esse acompanhamento ser feito.
Portanto, não esperemos que seja uma lei, por mais bem elaborada que seja, ou um comportamento, esse, sim, ritual e regimental, que colocam os debates das quartas-feiras nas terças-feiras ou nas quintas-feiras, que vai resolver o essencial dos nossos problemas. As discussões serão sérias, deixarão de ser discussões formais ou rituais se assim o quisermos e o Sr. Deputado Luís Sã - e é uma homenagem que lhe presto - deu um contributo extremamente positivo no sentido de qualificar este debate.
Aliás, é nesta linha, sem pôr em causa tudo aquilo que foi dito, nomeadamente pelo Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, que eu não valorizaria excessivamente a presença ou a ausência do Governo, porque também temos de nos habituar a discutir as nossas questões, se queremos qualificar o Parlamento, sem qualquer tipo de «tutela». O que está aqui em causa é o acompanhamento da actividade do Governo durante 1996 e o Governo deu à Comissão de Assuntos Europeus, quer por escrito, quer nas dezenas de reuniões que efectuou com esta, os elementos absolutamente imprescindíveis para poder dispensar a sua presença aqui.
Com isto não estou a dizer que o Governo não deveria estar aqui, provavelmente até deveria, mas não me parece que isso seja o elemento fulcral e essencial, porque, se não, caímos no tal erro que de algum modo quisemos ultrapassar quando elaboramos a lei desta maneira. Aliás, alguns dos Srs. Deputados, presumo que a maioria, estavam cá na altura em que a Lei n.º 20/94 foi elaborada e ela foi, de algum modo, também, um grito de autonomia do Parlamento em relação à actividade do Governo, no que diz respeito à integração europeia.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Foi o grito do Ipiranga!
O Orador: - Não quis ir tão longe, mas, realmente, penso que a qualificação está correcta. Aliás, foi na altura usada nos debates por alguém, não sei se pelo Sr. Deputado Francisco Torres ou se por outro, mas de algum modo foi referido.
Portanto, Srs. Deputados, a minha convicção sincera é que possamos dizer que as águas começam a ser, de algum modo, facilmente separáveis, aliás, as nuances que se verificaram nas intervenções que antecederam esta minha são já um próprio testemunho disto.
Felizmente, não há uma visão homogénea e sobretudo uma visão rígida do Parlamento português relativamente a este caminho. Há, a meu ver, um amplo consenso, o que não significa que haja unanimidade de pontos de vista. Há, por exemplo, elementos na excelente intervenção do Sr. Deputado Francisco Torres que não têm pleno acolhimento da minha parte e, presumo, da bancada do PS, mas isso seria de esperar. Agora, há efectivamente um grande consenso no sentido de caminhar para uma integração forte na Comunidade Europeia e, depois, há Deputados, partidos e forças políticas que têm em relação a esse caminhar uma visão bastante mais moderada, perfeitamente legítima e respeitável, mas que, evidentemente, não pode, de forma alguma, impedir aquilo que é o essencial e, sobretudo, aquilo que é a vontade democrática do povo português, expressa em vários actos eleitorais de uma maneira inequívoca.
E neste sentido que me parece ser muito importante, Srs. Deputados, que, partindo de uma realidade, a meu ver, incontornável e inquestionável, que é de 1996 constituir um corte, se quisermos, estratégico com aquilo que era a posição do Governo português relativamente ao processo de integração europeia, desde logo no próprio protagonismo que o Governo português atingiu - os Srs. Deputados não podem negar que, desde 1996, o protagonismo de Portugal no contexto europeu surge de uma forma substancial e qualitativamente diferente, pois, muitas vezes, o Governo português, sobretudo o seu Primeiro-Ministro, marca a própria agenda europeia e traz para a discussão alguns elementos e soluções fulcrais para o próprio desen-