8 DE JANEIRO DE 1998 865
ficidade de acção em que o Estado tem um papel simplesmente regulador. O interesse público recomenda, contudo que o Estado se não alheie do processo de surgimento, de implantação e de credenciação da, ONG. Essa é a razão pela qual o diploma estabelece um novo modelo de registo em que, naturalmente, participa igualmente a respectiva «plataforma» representativa.
Mas é também obrigação do Estado garantir aos sectores da sociedade que se sentem vocacionados para uma intervenção neste domínio os modelos de enquadramento legal que permitam que essa acção se processe com eficácia. Daí a criação de incentivos de ordem fiscal que este projecto de diploma igualmente prevê.
Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, julgo que estamos perante um projecto que constitui um passo importante e significativo no regime de enquadramento das ONG para o desenvolvimento. E é essa a razão pela qual o Governo recomenda a esta Assembleia a sua aprovação.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Penso que em boa hora estas duas propostas de lei vieram à Assembleia da República, até para podermos compará-las. Começo por dizer que em ambos os casos há motivo para a Assembleia se regozijar, porque são o reconhecimento de que a sociedade civil tem uma função importantíssima a desempenhar.
Por isso, o Grupo Parlamentar do CDS-PP - e eu, pessoalmente - congratula-se e votará favoravelmente estas duas propostas de lei.
Em todo o caso gostaria de fazer algumas observações.
A primeira prende-se, exactamente, com a comparação entre estas duas propostas de lei. No preâmbulo da que cria e regula as organizações não governamentais de ambiente pode ler-se que o Estado, consciente dos altos serviços que estas organizações e as associações que as precederam têm desempenhado em função de interesses públicos, entende alargar-lhes as competências, aumentar os meios, apoiando-as de forma mais eficaz, e reconhecer-lhes um grau de interferência que Sr.ª Ministra, me parece não é desadequado, mas sim notável porque elas de facto, podem interferir em tudo!
Ora, é daí que vem o meu espanto, porque as organizações, não governamentais de ambiente têm por missão velar pela integridade e qualidade do nosso espaço físico, mas, também sou obrigado a dizer que as organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento têm uma missão não menos nobre, porque cabe-lhes velar pelo nosso espaço exterior e, diria mesmo pelo nosso espaço anímico, pelo futuro, pela projecção e pela importância de Portugal no inundo.
Pergunto e o Governo entende que esta missão é mesmo importante do que a de velar pelo espaço físico, porque é gritante a diferença de capacidades, de potência e de reconhecimento da importância das organizações, relativas ao ambiente face às de cooperação para o desenvolvimento.
Não penso que esta diferença possa resultar do facto de umas terem feito muitas coisas, e outras nada, porque é o contrário. Creio que as organizações de cooperação para o desenvolvimento se têm desenvolvido muito à custa de
organizações não governamentais, basta lembrarmo-nos da AMI e de algumas fundações, como a Gulbenkian, a Fundação Oriente, a Fundação Portugal-África e tantas outras, para testarmos até que ponto tem sido relevante o seu desenvolvimento e contributo.
Todavia, a Assembleia da República e os diversos partidos farão, em sede de comissão, uma análise e uma revisão destas propostas de lei, comparando-as. Francamente, no que diz respeito à área da cooperação para o desenvolvimento, por isso é que é preciso ir muito mais longe do que se está a ir. E digo-o por uma questão de justiça, de necessidade do objectivo que elas visam e de necessidade dos meios que é preciso mobilizar para que a cooperação tenha algum sentido.
Penso que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus não tem quaisquer dúvidas em aceitar o que vou dizer. De facto, ainda que o Estado multiplicasse por dez o esforço financeiro que faz hoje na área da cooperação seria bem pouco, apesar de tudo, em comparação com as necessidades daqueles, com quem queremos cooperar.
Acontece que o desenvolvimento ou não daqueles com quem queremos cooperar não é de todo indiferente para a nossa presença no mundo e, principalmente, para a nossa afirmação.
É o na Europa, como um Estado europeu desenvolvido e com alguma missão para lá do seu próprio território.
Se não for possível mobilizar os meios da economia privada e o empenhamento do cidadão nesta tarefa do desenvolvimento, penso que nunca conseguiremos ocupar nessa área a posição que é exigida por nós próprios e pelo nosso futuro. Mas isso também passa por alguns detalhes.
Recordo, por exemplo, que na proposta de lei que re gula as organizações não governamentais de ambiente não se instituiu - e ainda bem que assim foi - qualquer plataforma, mas já existe um certo paternalismo em sede das
organizações governamentais de cooperação para o desenvolvimento na sacralização da plataforma.
Sr. Secretário de Estado, permita-me que lhe diga que um dos grandes avanços é o Estado reconhecer que a sociedade civil tem uma função determinante a desempenhar nesta área: é o Estado abdicar de uma certa tutela e de um certo exibicionismo em áreas da cooperação; é o Estado reconhecer que lhe cabe regular, mas não executar, e nem tem capacidade de o fazer!
Mas bem pior seria que amanhã viéssemos a verificar que tínhamos substituído a tutela do Estado pela tutela das plataformas. E com o conhecimento profundo que tenho desta matéria, Sr. Secretário de Estado, alerto-o para este aspecto. porque Portugal não seria o primeiro país em que tal acontecia. Além do mais, o Sr. Secretário de Estado sabe bem como é que estes processos se movimentam em Bruxelas em benefício de algumas organizações, com prejuízo de todas, as outras e, muitas vezes, das que mais interessaria que fossem apoiadas.
Creio que este é um problema que nem a Assembleia da República nem o Governo podem pôr para trás das costas e fingir que não existe, porque, na realidade, ele está à espreita e pode deitar por terra todo o esforço desenvolvido.
Sr. Secretário de Estado, um outro aspecto que me preocupou na proposta de lei relativa às organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento prende-se com o facto de ter verificado que existe um artigo em que se faz uma tentativa de definir qual é o âmbito e o campo de acção destas organizações. Felizmente, pode ler-se nesse diploma, entre outras, que a grande vantagem do empenhamento da sociedade civil é a mobilização da imaginação.