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15 DE JANEIRO DE 1998 947

Vamos passar à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 42l/VII-Amplia a legitimidade de intervenção judicial das associações sindicais (PCP).
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos para proceder à apresentação do projecto de lei.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matéria tratada no projecto de lei n.º 421/VII poderia constar hoje do texto constitucional. Tem dignidade constitucional, dado que se trata de consagrar direitos de associações sindicais, na linha do mais moderno entendimento sobre o Direito do Trabalho.
Por isso, constava do último projecto de revisão constitucional do PCP uma proposta no sentido de a Constituição conter um inciso enunciando a legitimidade das associações sindicais para intervirem em juízo em defesa de interesses colectivos e, também, em defesa de interesses individuais sempre que a solução destes pudesse influenciar o estatuto legal do colectivo de trabalhadores.
A proposta, depois de aceite pelo PCP uma pequena alteração, acabaria por obter a maioria, mas não a maioria suficiente para a sua consagração constitucional. O PSD impediu o acolhimento constitucional da proposta, o que não é caso para admirar.
De facto, ao longo do seu consulado, o PSD tentou desfigurar a legislação do trabalho, dando-lhe contornos há muito rejeitados para o direito laboral que, sendo um misto de direito privado e de direito público - aqui, sempre que se trata das condições de trabalho -, é sempre, em todos os casos, um direito especial que não é enformado por concepções puramente civilistas, sendo presidido na sua elaboração pelo princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, reconhecidamente, a parte mais fraca na relação laboral.
Este princípio conhece várias entorses durante os governos do PSD. Bastará citar o Decreto-Lei n.º 64-A/89 sobre a cessação do contrato de trabalho.
Aí poderemos ver como se começa a individualizar os interesses dos trabalhadores mesmo quando de interesses colectivos se trata. A revogação do regime de despedimentos colectivos, constante do Decreto-Lei n.º 372-A/75, deixando cada trabalhador à sua sorte sem o arrimo da intervenção do Ministério do Emprego em defesa dos postos de trabalho, é disso um bom exemplo.
As alterações introduzidas à lei da duração do trabalho no tempo do Primeiro-Ministro Cavaco Silva são, também, um bom exemplo do cariz retrógrado que se quis introduzir na legislação de trabalho e que redundou em ataques às organizações sindicais.
De facto, a possibilidade de, através da contratação colectiva, se obter o horário de trabalho semanal em termos médios, por referência a meses, é bem um exemplo de como, também aqui, se quis seguir os modelos estrangeiros. A palavra de ordem, nas últimas décadas, foi a de que a negociação colectiva servia para diminuir os direitos dos trabalhadores, assim se negando um princípio, sempre prosseguido pelos trabalhadores e suas organizações e transposto para o direito laboral: a negociação colectiva tem por objectivo consagrar para os trabalhadores direitos superiores aos constantes da lei.
Os ataques ao direito à negociação colectiva que podemos reconhecer em vários ordenamentos jurídicos europeus, visando a individualização, quase sem limites, das relações laborais, o enfraquecimento dos movimentos sindicais, prepararam, nas últimas décadas, o caminho para a Europa de Maastricht, contra a Europa dos povos.
Aquela, bebendo e vivendo da desregulamentação laboral, da flexibilidade, da precarização das relações laborais da regressão social no seio da negociação colectiva.
Esta, a Europa dos povos, necessitando da solidariedade entre trabalhadores, de um direito laboral nascido dos interesses colectivos firmemente prosseguidos pelas organizações dos trabalhadores.
A regressão social vivida nas últimas décadas fez nascer apressados epitáfios sobre a morte anunciada da luta social. sobre o enfraquecimento das organizações sindicais.
A verdade, no entanto, é que os últimos acontecimentos escarnecem desses epitáfios e provam a vitalidade dos trabalhadores e das suas organizações.
A compreensão do quadro em que se desenvolvem os direitos dos trabalhadores, do quadro em que estes conquistam contornos no seu estatuto legal, ajuda a compreender aquilo que muitos teóricos do Direito do Trabalho continuam a afirmar.
E veja-se, por todos, o Professor Menezes Cordeiro: «O Direito colectivo do trabalho precede, em termos históricos, científicos e práticos, a temática laboral individual.
O Direito do Trabalho deve a sua autonomia às colocações colectivas dos problemas que faculta: nesse nível foram apuradas soluções irredutíveis às propiciadas pelo Direito Civil, assim se alcançando uma dimensão inovatória.
A captação deste estado de coisas e a própria apreensão do Direito do Trabalho no que ele tenha de específico conseguem-se, com mais êxito, no plano laboral colectivo».
E nós parafraseamos: a captação deste estado de coisas conduz a que a legitimidade para estar em juízo na área, laboral leva a soluções necessariamente diferentes das encontradas para o Direito Civil.
De facto, dos conflitos colectivos nasce um estatuto legal dos trabalhadores. Com muitas normas que são normas de ordem pública, de ordem pública social.
As violações dessas normas põem em causa não apenas o estatuto daquele trabalhador individualmente considerado, mas os interesses colectivos dos trabalhadores protegidos pelas mesmas. Daí que se compreenda que, mesmo nalguns casos em que aparentemente estão em causa interesses individuais, perigando os interesses colectivos, a legitimidade para estar em juízo deva ser encarada de uma forma diferente da comummente adquirida.
Aliás, já nesta legislatura aprovámos diplomas que, reconhecendo o interesse colectivo em conflitos individuais, concederam legitimidade para agir judicialmente às associações sindicais. Referimo-nos. por exemplo, à lei sobre a igualdade no trabalho e no emprego.
O projecto de lei que hoje discutimos parte, assim, da apreensão do Direito do Trabalho no que ele tem de específico, por considerarmos muito insuficiente o actual Código de Processo do Trabalho de 1981 que, praticamente, desconhece a relevância para os interesses colectivos de alguns conflitos individuais, limitando-se a reconhecer às associações sindicais o papel de assistentes.
Bem mais longe ia o Código de Processo do Trabalho de 1979, que não chegou no entanto, a entrar em vigor mas onde já se reconhecia às associações sindicais o direito de acção em substituição dos associados quando o conflito individual se encontrasse tutelado por normas de interesse e ordem pública desde que existisse declaração do trabalhador de que não pretendia accionar pessoalmente.