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1182 I SÉRIE - NÚMERO 36

A Oradora: - Com base nos mesmos fundamentos, refiro os acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional italiano em 1975, pelo Tribunal Constitucional alemão em 1975 e 1993, pelo Tribunal Constitucional espanhol em 1985 e a Resolução do Parlamento Europeu em 1989.
Enquanto, por todo o mundo, se discute a melhor forma de proteger social e juridicamente esta criança pequena, hoje, aqui, neste Parlamento, a ordem do dia impõe a discussão de saber se vamos legalizar a interrupção brutal e fatal do seu desenvolvimento e crescimento. Parece-nos a nós tão irónico e aberrante como subscrever a decisão do Supremo Tribunal de Justiça americano que, em 1857 decidia «um negro é vida, mas não é pessoa».
Quisemos por isso estar presentes com uma iniciativa legislativa que abra as portas de um debate sério sobre uma matéria da maior actualidade e oportunidade e não, como alguns insistem em fazer crer, com o objectivo de inviabilizar os casos de IVG já previstos no artigo 142.º do Código Penal. A proposta de reconhecimento da personalidade jurídica do ser humano desde a concepção não tem relação alguma directa ou necessária com as questões da licitude penal da interrupção da gravidez.
A questão da interrupção da gravidez é uma questão de direito penal e consiste em saber quando é e quando não é punível o aborto voluntário. A questão do reconhecimento da personalidade jurídica do nascituro é basicamente de direito civil e consiste em. saber como organizar a regulamentação das normas de protecção jurídica. do nascituro, que toda a gente reconhece que são hoje necessárias em domínios cada vez mais amplos.
A questão civil só agora as põe, por causa da extraordinária, revolução científica e tecnológica em curso - da manipulação genética à clonagem, das - terapêuticas intra-uterinas à cirurgia fetal. A questão penal da interrupção da gravidez, essa, pôs-se sempre, sem que o nascituro tivesse personalidade jurídica civil, e sempre se porá, quer o nascituro tenha personalidade jurídica civil, quer não a tenha. Basta dizer que, no passado, as leis penais puniam o aborto em casos que legislações contemporâneas de certos países despenalizam e, todavia, nunca para isso tiveram de declarar a personalidade jurídica do nascituro.
Por outro lado, a inversa também se dá. É que o reconhecimento da personalidade jurídica do nascituro não determina as soluções da questão penal do aborto, nem impede, que o legislador penal declare que a interrupção voluntária da gravidez não é punível, com maior ou menor amplitude. No limite, assim como no passado as leis penais proibiam a interrupção voluntária da gravidez, sem que a lei civil reconhecesse a personalidade jurídica do nascituro, também agora a lei penal, se for caso disso, poderá permiti-la mais ou menos amplamente, sem prejuízo de a lei civil reconhecer a personalidade jurídica.
E esta posição é sustentada por penalistas e civilistas de reconhecido mérito, considerando nós inaceitável e abusivo atribuir ao nosso projecto intenções, para mais sub-reptícias, que não presidiram nem ao espírito da sua elaboração, nem do seu agendamento. Sabemos que para muitos é ainda cedo. Temos consciência de que, hoje, aqui se misturam questões, umas que chegam depois do tempo, outras quiçá antes de tempo. A história julgará a oportunidade de umas e de outras.
Poderiam os proponentes dos projectos pró-abortistas evocar razões que, embora não modificando a essência da questão - a vida humana ou é ou não é, ou se valoriza ou se desvaloriza -,justificassem, contudo, preocupações que, assentes em valores, interesses ou direitos conflituantes, pudessem ser trazidas à discussão parlamentar, porque traduzindo uma consciência social fundamentada e interiorizada desse conflito. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é de facto assim. Estes projectos consagram um poder absoluto e discricionário da vontade de um sobre a vida do outro.
Na impossibilidade de, passados que são 30 anos sobre a década de 60, reafirmar aqui o absurdo do valor de uma liberdade absoluta da mulher sobre o seu corpo, os proponentes acabam por se refugiar atrás do conceito vago, de falta de condições sócio-económicas, motivos, psicológicos, o todo assente em argumentos como o flagelo do aborto clandestino e os riscos para a saúde pública a que uma sociedade solidária não pode deixar de ser sensível.
E este é outro ponto extraordinário que convém referir. A esta sociedade, manipulada na sua boa fé, os Deputados proponentes, responsáveis, também eles pela ausência de medidas que combatam efectivamente as desigualdades sócio-económicas, que colmatem a falta de formação e informação das mulheres e das famílias, que criem condições mínimas para uma vida digna, esses Deputados trazem hoje uma proposta surpreendente: a da liberalização do aborto como resposta social...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É importante que, se diga hoje e aqui o que significará, numa sociedade desenvolvida que, não recusa antes quer reforçar a sua matriz civilizacional, a aprovação destes projectos. Significa inequivocamente instituir como regra o desvalor absoluto da vida humana pré-natal. Um precedente gravíssimo considerando as vicissitudes do percurso de um ser humano até à velhice e morte, abrindo a porta a graduações de vida humana, mais ou menos importante, mais ou menos útil, mais ou menos sustentável. Até nos perdermos todos, sem norte nem referências, apagando o longo percurso de civilização que nos deu a certeza, o entendimento e a prática da igualdade de valor e dignidade de toda a vida humana. Como virá, então, a discutir-se aqui um dia a eutanásia de pessoas inutilizadas a cargo de famílias sem recursos e condições? E quanto tardará essa discussão?
Mas a liberalização do aborto é uma falsa solução que desrespeita a mãe e o filho. A mãe, porque o aborto, mesmo, medicalizado, constitui de facto uma violência física e moral a que as mulheres têm o direito de ser poupadas; o filho, porque ninguém lhe pode tirar o direito a nascer e crescer em nome de problemas conjunturais, cuja solução está manifestamente noutras sedes. Empurra as mulheres para soluções dramáticas, explorando uma situação de fragilidade num contexto de poucas respostas sociais. Transforma os hospitais em centros de atendimento social, através de IVG's sem qualquer indicação terapêutica, desvirtuando a função dos profissionais de saúde.
Os projectos n.os 417 e 451/VII não estabelecem' um novo direito oferecido à mulher portuguesa. Estabelecem, sim, um conjunto de princípios, sem nenhuma eficácia quanto aos objectivos propostos, mas de teor altamente destrutivo e desmoralizante: o princípio do desprezo como regra - pelo valor essencial da vida; o princípio da desistência da dignidade humana; o princípio da negação de factos científicos irrefutáveis; o princípio da consagração da irresponsabilidade de cada um na orientação da sua vida - da irresponsabilidade da comunidade nacional no dever de solidariamente dar respostas aos problemas dos mais fracos e pobres.
O nosso projecto de lei, pelo contrário, alerta para as grandes questões que o futuro nos colocará e procura empreender o caminho da necessária clarificação do es-