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5 DE FEVEREIRO DE 1998 1189

Em minha ,opinião, Sr. Deputado, também não tem legitimidade moral, porque, quando o Sr. Deputado diz que o PSD, a propósito de tudo e de nada, invoca o referendo, sabe tão bem como eu que o, referendo sobre o aborto é dos livros, o único exemplo que se dá de referendo é exactamente sobre ó aborto. É clássico! Portanto, não é uma invenção do PSD.
Depois, o Sr. Deputado pergunta qual é a posição do PSD. E eu pergunto-lhe: Sr. Deputado, qual é a posição do PS? Sabe-a? Eu direi que não sabe, e penso que aqui ninguém sabe, já que, se dermos a voz ao Secretário-Geral, não será, de certeza absoluta, a mesma que está agora na bancada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito, bem!

A Oradora: - Eu também não sei, mas não me interessa, Sr. Deputado.
Não creio que o PSD tenha tido mais de 80% dos votos nas eleições legislativas, logo, os que neste momento defendem o referendo não são só do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, a parte da população que neste momento está a pedir o referendo não é só do PSD. O PSD iniciou este combate e, pelos vistos, teve eco na sociedade portuguesa.
É sobre estes pontos, Sr. Deputado, que gostaria que todos: ponderássemos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a apresentação dos projectos de diploma, vamos entrar no debate, propriamente dito.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: «O aborto é uma violência, uma violência profunda e desesperada infligida por uma mulher, primeiro ,que tu do,. sobre si própria».
Assim nos lembra, com amargura, a poetisa Adrienne Richt.
O aborto não é uma decisão que as mulheres tomem por gosto. Não é uma decisão que tornem por prazer mas um direito que a cada mulher assiste e uma liberdade de opção, quase sempre tomada, precisamente, por falta dela!
Á pergunta que, inevitavelmente, se coloca é esta: por que teimam alguns, para que serve tornar mais violento o que, por natureza, violento já é?
Pára que serve, porque teimam alguns, fazer da Mulher que recorre ao aborto. uma criminosa, quando mais não é do que a vítima? Acaso. a penalização do aborto provou defender a vida? Acaso a penalização do aborto conduziu à redução da sua clandestinidade?
Se a resposta a estas questões é, negativa, por que, se manteve, então, tal lei em, vigor? Com que legitimidade? Em nome de quê? Que, culpas se, pretende expiar?
Sr.ªs e Srs. Deputados, hoje, como ontem, é forçoso interrogármo-nos com que direito podem alguns falar de opção a mulheres, quase meninas, muitas, a quem a escola encheu a cabeça de inúteis fórmulas químicas, mas não ensinou a lidar com ó seu próprio corpo?
Com que direito podem alguns falar de opção a, mulheres a quem interditos culturais e reiligiosos_negam a sua sexualidade?
Com que direito podem alguns falar de opção a, mulheres, quando o planeamento familiar falhou ou nunca chegou ao seu bairro ou à sua terra, e não sabem o que isso é; porque ninguém cuidou de lhes explicar?
Com que direito podem alguns falar de opção a mulheres, quando a estreiteza dos prazos hoje previstos na lei não permite a certeza de um diagnóstico e o temor as leva a interromper a gravidez, por precaução?
Com que direito podem alguns falar de opção a mulheres cuja casa já não chega para os nascidos, muito menos para mais um?
Com que direito podem alguns falar de opção a mulheres cuja família foi atingida pelo desemprego e senão podem permitir já o luxo de outra criança?
Com que direito podem alguns falar de opção. a mulheres a quem o - patrão ameaça com despedimento, se porventura engravidarem?
Até quando, neste Estado laico, irá triunfar o reino da hipocrisia?
Mais, Srs. Deputados: com que legitimidade, em nome de quê, para expiar que culpas, toda esta violência se quer abater sobre as mulheres?
Com que direito, questiono uma vez mais, pode um Estado; uma sociedade, que não assegura o seu papel social, arrogar-se o direito de penalizar mulheres como se isso resolvesse fosse o que fosse?
Com que direito persiste um Estado nos seus processos de estigmatização, tornando ainda mais difícil o que difícil já é? -
Com que direito pode um Estado abandonar mulheres, jovens, muitas - delas, e lança-las nas margens da clandestinidade, entregues à sua solidão, ao seu terror, aos seus medos é à ilegalidade de uma interrupção de gravidez que as exclui e coloca totalmente fora da lei e fora de quaisquer cuidados de saúde?
Coloca-as fora da lei, correndo inúteis riscos de, mutilações e traumas, que irreversivelmente as poderão impossibilitar de uma futura maternidade feliz.
A grande maioria destas mulheres recorre a lugares sem condições de higiene, desumanos e sórdidos, tão sórdidos quanto o rentável negócio que em seu torno se movimenta.
Outras, menos desafortunadas, buscam noutras paragens a segurança que o seu próprio país lhes negou, numa situação de desigualdade, ela própria. insustentável numa democracia.
Ora, estes são, Sr.ªs e Srs. Deputados, os problemas reais de um país real, que não qualquer outro mas, sim, aquele de que estamos, á falar: aquele em que o aborto clandestino ainda constitui um gravíssimo problema de saúde pública, sem paralelo na Europa, e a segunda causa de morte materna.
Trata-se, pois, e é essa a nossa responsabilidade, a que ninguém tem o direito de fugir, enquanto Deputados, de centrar o debate nos exactos termos em que ele se coloca: assumindo com frontalidade que a actual lei, profundamente penalizadora e, em termos comparativos, das mais restritivas da, Europa, se provou inadequada, perversa e inútil.
Não se trata de fazer juízos de valor, porque esses não nos cabem, nem considerações morais, porque não é esse o nosso papel.