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5 DE FEVEREIRO DE 1998 1193

vir para a preservação da integridade moral e da dignidade social da mulher e para uma maternidade consciente.
Ao fim e ao cabo, para o PS, nas primeiras 10 semanas de gravidez, o aborto passa a ser praticamente livre, podendo ser usado como legítimo processo de controlo da natalidade.
Se tudo o que é importante está como estava há um ano atrás, é natural que eu, ao usar hoje da palavra, reafirme o que disse então. A ordem jurídica do Estado de direito democrático e da «sociedade aberta» não pode ser confessional nem pode ser pensada como se fosse dedutível de qualquer decálogo, código ou cartilha moral. Pelo contrário, assenta no princípio da separação, por um lado, entre a política e o direito, e, por outro, entre ambos e quaisquer religiões ou sistemas éticos. É esta uma condição de liberdade e um pressuposto da salvaguarda da «eminente dignidade» dos membros da comunidade política.
O pluralismo político, o pluralismo ético, o respeito pela diversidade de culturas e de valores, a tolerância, constituem, de facto, o caldo de cultura próprio da democracia política e social.

Aplausos do PSD.

A ordem jurídica portuguesa assenta nestas ideias-força, particularmente no que concerne ao tratamento dos graves problemas humanos e sociais gerados pelo aborto e pela interrupção voluntária da gravidez não punível.
Neste domínio, o primeiro princípio da nossa cultura jurídica é o da inviolabilidade da vida humana desde a concepção, isto é, desde o momento da formação da identidade genética do ser humano até à sua morte. A partir daquele initium. cada ser humano é sagrado para os outros, seja para a mãe, o pai e a família, seja para a sociedade, seja para o Estado.
Na vida intra-uterina, na infância e adolescência, na juventude e maturidade, na velhice e decrepitude, a vida humana individual nunca pode ser considerada como meio ou instrumento de quem quer que seja. é sempre um fim em si mesmo - para usar a linguagem kantiana.
O princípio da inviolabilidade da vida humana liga-se intrinsecamente ao princípio segundo o qual a mulher grávida tem o dever de levar a termo a gravidez, e. ao mesmo tempo, o direito ao amparo, à protecção e ao apoio do pai, da família, da sociedade e do Estado, apoios esses que sejam necessários, nas circunstâncias concretas da sua vida, ao cumprimento daquele dever.
No enlace destes princípios basilares assentam as exigências dirigidas ao Estado e às instituições da sociedade civil, no sentido de promoverem e divulgarem informações seguras sobre a sexualidade humana, com vista a um planeamento familiar consciente e responsável: ao combate às práticas atentatórias da liberdade e da autodeterminação sexual; à protecção efectiva da maternidade e da natalidade: à garantia dos direitos da criança: à desburocratização da adopção; etc. E todos. aqui. temos consciência dos atrasos que nestes domínios urge vencer em Portugal!
Qualquer dos projectos de lei concernentes ao aborto e à interrupção voluntária da gravidez não punível, hoje em debate, a ser aprovado, alteraria, directa e radicalmente, essa estrutura normativa fundamental da ordem jurídica portuguesa. Para que os representantes políticos do povo português pudessem levá-lo a efeito, com lealdade e honradez democrática, seria preciso que, no mínimo, tivessem revelado aos seus eleitores, no período anterior à eleição, a sua intenção de modificarem assim a legislação sobre o aborto e a interrupção voluntária da gravidez, o que, se calhar, os partidos proponentes ou. melhor, nem todos os partidos proponentes ousaram fazer.
Se na Assembleia da República tudo parou, no que toca à pesquisa sobre a protecção jurídica concretamente devida à vida humana intra-uterina - e este é o ponto fulcral do nosso debate de hoje -, lá fora, pelos largos espaços da Europa e do Mundo, nada parou. O ano de 1997 conta com duas conquistas notáveis: a Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, elaborada no âmbito do Conselho da Europa e assinada por Portugal em Oviedo, em 4 de Abril de 1997, e a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos do Homem, elaborada pela UNESCO e aprovada por unanimidade e aclamação pela Conferência Geral, em 11 de Novembro de 1997.
Os dois instrumentos jurídicos internacionais apontam' em sentido oposto aos que hoje. como há um ano, ouço nesta Câmara, a propósito da protecção jurídica do embrião ou feto humano. O futuro mostrará mais depressa, se calhar, do que todos julgamos, quem tem a melhor razão neste debate.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, termino como há um ano. Se uma alteração da ordem jurídica, como a que pretendem o PS e o PCP, vier a ter êxito a nível parlamentar, nenhum Deputado ou grupo parlamentar poderá, de consciência tranquila, negar às portuguesas e aos portugueses o direito de se pronunciarem democraticamente em referendo nacional sobre o que pensam a respeito daquilo que a maioria parlamentar de hoje aqui deliberar. É o mínimo que a honestidade política de nós exigirá.

Aplausos do PSD, de pé

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Barbosa de Melo, já no ano passado tive ocasião de ouvir, aliás, com muito interesse, embora eu discorde dela. uma intervenção sobre esta questão onde V. Ex.ª tocou as questões do direito natural.
Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que. de facto, tive alguma desilusão quanto ao relatório apresentado por V. Ex.ª, e que foi derrotado, sobre o projecto de lei do PP e que se deveu tão-só a isto: V. Ex.ª partiu da citação de Ronald Dworkin e de teses por ele defendidas, enquadrando-as num contexto completamente oposto, pois ele defende o contrário daquilo que o Sr. Professor Barbosa de Melo defende. É completamente ao contrário! Inclusivamente, a certa altura, ele. que é uma grande pessoa da filosofia, assim reconhecida, analisa até a própria evolução do embrião e do feto para dizer que, efectivamente, é a partir das 24 semanas. Mas, no que diz respeito à concepção, não encontra nada no Professor Ronald Dworkin a dizer que há vida humana.
Sr. Deputado Barbosa de Melo, essa questão da vida humana é muito interessante, mas V Ex.ª não a encontra em nenhum documento internacional, nem nesses que citou. De facto, os documentos que citou não equiparam a vida do pré-embrião e do embrião - e já explico por que é que falo em pré-embrião - e do teto à vida de uma pessoa. Então, isso quererá dizer que internacionalmente estão muito distraídos, por ainda nada terem posto nos textos internacionais da Declaração dos Direitos do Homem?! O Sr. Deputado Barbosa de Melo, não puseram