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5 DE FEVEREIRO DE 1998 1197

É, de facto, uma questão cultural; mas é, também e sobretudo, uma questão política. Não é tolerável que a mulher seja reduzida a uma situação de sub-humanidade, em nome da qual e contra a qual todos decidem, privando-a da sua própria liberdade de consciência e de escolha. Isso também é pôr em causa o direito à vida. Isso também é um atentado aos direitos humanos. Ser mãe não é só um acto físico e passivo; é, também e, sobretudo, um acto de vontade e de consciência, um acto de amor, um acto espiritual. É isso que distingue a vida humana das outras formas de vida.
O projecto que a JS teve a coragem de reapresentar, e foi adoptado pelo grupo parlamentar do PS, não é um projecto radical, como pretende fazer crer algum integrismo e um certo espírito de cruzada: é um projecto de despenalização da interrupção voluntária da gravidez nos prazos nele definidos; consagra a protecção jurídica do primado da decisão da mulher, baseado em valores de dignidade moral e social, assim como na exigência ética de uma maternidade e paternidade conscientes.
A lei actual estipula uma imposição autoritária de valores; este projecto estabelece um equilíbrio mais razoável entre os bens jurídicos que é necessário proteger, a dignidade da mulher e a gestação intra-uterina do processo de formação da pessoa humana, e faz recuar a criminalização pára limites compatíveis com uma sociedade baseada na tolerância.
Aliás, o que hoje vigora não é a lei, é o seu incumprimento. Estamos no reino da clandestinidade, que é uma espécie de liberalização do avesso e uma outra forma de atentado à dignidade humana e ao direito à vida. Estamos no reino da desordem, da injustiça, da hipocrisia e da impunidade. Há um total desfasamento entre a lei e a realidade, o que, como disse Simone Weil, «põe em causa o respeito dos cidadãos por si mesmos, o respeito pela autoridade democrática do Estado» e, acrescento eu, o respeito pelo próprio Estado de direito.

O Sr. José Magalhães (PS): Muito bem!

O Orador: - isso que se pretende? Manter a mentira e fomentar a clandestinidade?
O projecto da JS, agora do PS, propõe a adequação da lei à realidade. É uma solução moderada, uma solução de compatibilização de valores, uma solução de verdade. Não se impõe nada a ninguém: consagra-se, nos termos e prazos propostos, uma opção. Cada um é livre de decidir de acordo com as suas convicções e a sua consciência. Nada mais perigoso do que pretender transferir uma moral, que é do foro íntimo de cada um, para a esfera do Estado é sempre por a( que começa qualquer forma de autoritarismo e de fundamentalismo.

Aplausos do PS.

Ao estipular a liberdade de decisão da mulher, nos termos e prazos legalmente definidos, o Estado admite uma opção mas não impõe uma opinião. Negar essa possibilidade seria transformar a opinião contrária em doutrina e imposição do Estado. Isso, sim, é dogmatismo! Isso, sim, é intolerância! Uma sociedade moderna é incompatível com maniqueísmos foram eles que levaram a humanidade às suas piores catástrofes.
Por isso eu digo: o mais radical de todos os direitos humanos é o direito de pensar de maneira diferente. A tolerância é a grande vitória do espírito sobre a irracionalidade e o instinto, e o pior de todos os exílios, como Holderlin tão bem compreendeu, é o exílio da casa do ser. É o que acontece sempre que se pretende transpor para o Estado, como obrigação e verdade absoluta, o que pertence à consciência e ao foro íntimo de cada um.
Ninguém é dono de ninguém. Ninguém - nenhum Estado, nenhuma religião, nenhum sistema - é dono da íntima liberdade da mulher. E foi talvez por isso que um poeta disse: «A mulher é o futuro do homem».

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nuno Abecasis pediu a palavra para pedir esclarecimentos, mas não tem tempo para isso. Contudo, considerando que se trata de uma exigência da alma, a Mesa concede-lhe dois minutos para formular o seu pedido de esclarecimento.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito obrigado pela sua generosidade proverbial.
Sr. Deputado Manuel Alegre, basta-me conhecê-lo e saber que o senhor é um poeta para saber da sinceridade com que descreveu o trágico quadro, que partilho em apreciação consigo e que me preocupa tanto como a si. E é por isso, Sr. Deputado Manuel Alegre, por não querer que estes problemas sejam iludidos, que lhe coloco apenas duas questões, sendo a primeira no sentido de saber se o Sr. Deputado Manuel Alegre sabe que o Estado português não subsidia a colocação de dispositivos infra-uterinos, mesmo considerados, como estão, como um meio de grande eficácia no controle da natalidade. O Estado português, com as leis que há, aqui votadas desde 1985, não subsidia isto!
A segunda questão é no sentido de saber se o Sr. Deputado Manuel Alegre, em consequência, já protestou com os sucessivos Ministérios da Saúde que não têm isto em conta.
Sr. Deputado Manuel Alegre, a dignidade da mulher não é sequer passível de discussão e, assim, pergunto-lhe porque é que ela termina às doze semanas? Porquê? Será que depois das doze semanas já não há mais dignidade para a mulher ou o que é que vai acontecer?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, é verdade que o Estado não subsidia mas também ninguém vai preso por usar esse dispositivo.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Quanto à segunda matéria, é outra discussão, na qual estou disposto a participar quando for esse o debate. Porém, o que hoje estamos aqui a decidir é se se consagra, em termos absolutos, o direito de um bem e se exclui, em termos absolutos, o direito e a liberdade de outro.