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1196 I SÉRIE-NÚMERO 36

que, em face da aprovação de qualquer lei sobre esta matéria que contrarie os valores pelos quais nos batemos, apoiaremos sem hesitação a proposta que vise a realização de um referendo nacional prévio à votação final global de tal legislação.

Aplausos CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados; começo por dizer que tenho muito orgulho em pertencer a um partido em, que, em matérias desta natureza, é possível o seu grupo parlamentar apresentar como seu um projecto relativamente ao qual António Guterres, como cidadão, tem uma opinião diferente. Isto só demonstra a firmeza de convicções de António Guterres e o respeito do PS pela liberdade de consciência de cada um.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A António Guterres, nosso camarada, nosso amigo e nosso irmão, quero reafirmar a nossa confiança, a nossa amizade e a nossa fraterna solidariedade.

Aplausos do PS.

Gostaria de reavivar certas memórias. Em 1975, fui eu quem pediu aos militantes socialistas, que se encontravam em frente das instalações do jornal República, para acorrerem em defesa do Patriarcado de Lisboa. E foram militantes socialistas que, praticamente sozinhos, o fizeram.

Protestos do CDS-PP.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - É verdade, é! Infelizmente, é verdade! Não se ouviram, então, alguns daqueles que, dizendo-se defensores do direito à vida, chegam agora á fazer ameaças de morte ao meu camarada Sérgio Sousa Pinto.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Também não se. ouviram, noutras circunstâncias, outros condenar os crimes do salazarismo, nem sequer quando o Bispo do Porto foi obrigado a exilar-se!

Aplausos do PS.

Não venham, pois, dar-nos lições de direitos humanos. Não têm autoridade moral para o fazer os que sempre se calaram quando os direitos humanos eram realmente violados em Portugal?

Aplausos do PS.

A Constituição da República Portuguesa consagra a separação da Igreja e do Estado. Portugal é um Estado laico, onde ninguém tem o direito de impor aos outros as suas íntimas convicções de consciência 'ou de religião: Trata-se de um princípio fundamental, garante dá liberdade política e da própria liberdade religiosa. Não estamos no domínio da verdade revelada é não responderei a uma intolerância contra intolerância.
Estamos perante um problema que a todos nós suscita interrogações, preocupações, dúvidas. Ninguém aqui defende o aborto. Todos, independentemente das suas inspirações culturais ou religiosas, consideram que o aborto é um mal e um flagelo social. Estou consciente de que, nesta matéria, não há certezas absolutas. Mas estou consciente, também, de que, perante a desordem e a anarquia reinantes, o Estado não pode demitir-se das suas responsabilidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia da República tem toda a legitimidade para o fazer, porque é á sede da representação nacional. Pôr isso em causa, é pôr em causa o próprio princípio da representação.

Aplausos do PS.

Penso, aliás, que os principais defensores e advogados do referendo depressa se esqueceriam dele se, porventura, os projectos hoje em discussão aqui tossem derrotados.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida!

O Orador: - O aborto, em Portugal, está liberalizado da pior forma possível: pelo laxismo, pela mentira, pela hipocrisia, pelo não cumprimento da lei. O dilema que se nos coloca é o de saber se vamos Continuar a fingir ou se, pelo contrário, vamos acabar com a hipocrisia e repor a verdade na lei.
A demissão do Estado e o laxismo, longe de impedirem o aborto, não logram senão encorajá-lo. Toda a gente sabe que a lei não é cumprida, o aborto continua a ser praticado com uma total impunidade; ou, peio menos, com a cumplicidade de quem fecha os olhos para não ver. Toda a gente sabe que se recorre ao aborto segundo a condição económica ou social - infelizmente, também é uma questão de classe: quem tem dinheiro, vai lá fora ou fá-lo em clínicas de luxo; quem o não tem, sujeita-se à rede clandestina, ao vão de escada, à humilhação, à doença, à mutilação ou mesmo à morte e, talvez ao que seja pior ainda, à degradação da sua humanidade no que ela tem de mais íntimo e mais sagrado.
Já aqui o disse e repito: o respeito pelo direito à vida começa pelo respeito pela liberdade e dignidade da mulher. Não é admissível que a mulher seja vista como uma espécie de incubadora ou como um simples objecto de reprodução. O respeito pela vida humana não pode ser encarado numa perspectiva unilateral, consagrando-se em termos absolutos os direitos de uma parte, que é um devir, contra qualquer hipótese de decisão de um ser humano que já o é em toda a sua plenitude.
Respeitando, nesta matéria tão controversa, as convicções religiosas, direi, parafraseando alguém, que se trata, também, de «uma questão cultural, no que a cultura tem de mais profundo e objectivo: o respeito pela vida humana». Não há respeito pela vida humana se o direito excluir, em termos absolutos, o respeito pela decisão da mulher. A exclusão absoluta deste princípio essencial da dignidade da mulher como pessoa humana significaria, no limiar do século XXI, uma regressão do direito e um retrocesso civilizacional.