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5 DE FEVEREIRO DE 1998 1191

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa!

O Orador: - Esclarecida a questão da legitimidade, que nunca. nos suscitou qualquer dúvida, compete-nos contrariar uma outra contestação que nos tem sido movida, esta por razões de oportunidade, como se tais razões se pudessem sequer invocar diante da constatação diária do aviltamento, da dor e do sofrimento que afectam tragicamente tantas e tantas mulheres condenadas aos tormentos morais, psíquicos e físicos provocados pelo aborto clandestino e como se a História não estivesse repleta de gestos, actos e atitudes considerados profundamente inoportunos pelas ortodoxias resignadas; que a posteridade veio a consagrar como momentos luminosos e determinantes para a abertura de novos horizontes civilizacionais à Humanidade.
Para nós, que nos movemos por convicções firmes, a oportunidade, em temas como este, não pode ser critério, fundamento e, muito menos, constrangimento.
É este, como já o era o ano passado, o tempo certo para enfrentar o tenebroso problema do aborto clandestino. Fazêmo-lo com determinação mas igualmente com sentido de tolerância. Estamos num domínio complexo, não imune a dúvidas e incertezas, que pela sua própria natureza deve desincentivar opções fundadas num dogmatismo inibidor da procura das soluções mais adequadas, sob a inspiração de princípios humanistas.
Queremos salientar que respeitamos aqueles que, por motivos religiosos ou filosóficos que às suas consciências se revelam incontornáveis, estabelecem uma insuperável incompatibilidade entre a consagração da exclusão condicionada da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez e as suas próprias convicções sobre o carácter inviolável da, vida humana. E a prova mais irrefutável deste respeito consiste no facto de não termos estabelecido a disciplina de voto no interior do nosso grupo parlamentar.
Mas se respeitamos os dogmas individuais, não acedemos a que eles se transformem em imposições acolhidas e consagradas no ordenamento jurídico positivo. E é justamente por isso que o nosso grupo parlamentar patrocina a iniciativa originariamente promovida pela JS.
Infelizmente, apesar dos significativos progressos registados nos últimos 12 anos, o aborto clandestino continua a praticar-se com uma amplitude e uma tal dose de tormentos que interpelam a nossa consciência nos planos ético, social, político e jurídico. Temos, ao nível penal, uma legislação repressiva que a prática revela desprovida de coactividade. Ninguém ou quase ninguém é sancionado judicialmente, sendo que a única sanção é a que consiste na clandestinização do acto abortivo. Só que esta é a mais primitiva, a mais iníqua e a mais perversa das sanções, desde logo por ser extrajudicial e até mesmo extraestatal.
O território da clandestinidade atira-nos para aquilo que Hobbes considerava o estado da natureza e coloca-nos numa situação que o grande John Locke consideraria anterior ao contrato que dá origem a uma sociedade civil civilizada. E é precisamente tão degradante situação que, agora, aqui, queremos ultrapassar.
A proposta que defendemos situa-se no plano da política penal e é nesse domínio que ela deve ser abordada e discutida. Contrariamente ao que propagandeiam os seguidores de urna espécie de nova ideologia ética, potencialmente dissolvente das categorias políticas e jurídicas, este assunto não releva de um plano pura ou até predominantemente ético. Ele coloca-se claramente no domínio político, com tangível e evidente repercussão no direito positivo que nos rege.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que se trata é de saber se se deve manter uma legislação repressiva, sem capacidade coactiva, mas geradora de clandestinidade ou se, pelo contrário, se deve diminuir, à luz de critérios moralmente sustentáveis, essa componente repressiva, apostando mais no apoio a uma maternidade responsável e verdadeiramente digna. Nós não estamos a escolher entre realizar mais ou menos abortos mas entre morrerem mais ou menos mulheres.

Aplausos do PS e do PCP.

Nós não opomos dogmas a dogmas, nem confrontamos absolutismos ético-morais, antes afirmamos uma opção político-jurídica alicerçada numa ética humanista aplicada, visando a resolução de um problema social pungente.
Sr.ªs e Srs. Deputados: É em nome da vida e da dignidade humana, por razões de civilização e de cultura, que nos batemos pela introdução das modificações propostas. É em nome de uma ética que se recusa a permanecer num limbo metafísico, mas visa antes iluminar decisões políticas e instrumentos jurídicos, que aqui estamos. É em nome da tolerância que recusamos uma antagonização irreconciliável entre os proclamados apólogos da vida e os supostos cultores da morte. Alicerçamos, aliás, esta tolerância no orgulho de uma filiação política e ideológica que nos coloca do lado dos que, nos sortilégios e adversidades da história, lutaram sempre pela vida humana e sobretudo pela dignidade dessa mesma vida humana.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Assis, lógica e naturalmente, não seria necessário dizer-lhe que estamos de acordo com a opção político jurídica do Grupo Parlamentar do Partido Socialista sobre a questão que estamos a debater.
Gostaria de, nesta oportunidade, reafirmar o total empenhamento do PCP para que, no processo deste debate, a Assembleia da República possa, finalmente, vir a aprovar uma lei que combata o aborto clandestino e que afaste definitivamente a penalização e a criminalização que impendem sobre a mulher em Portugal.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Com este empenho e com a defesa do nosso projecto de lei, assumimos, mais uma vez, não só a responsabilidade do PCP em relação a esta matéria mas também a responsabilidade individual de cada um dos Deputados do Partido Comunista Português.
Aproveito para dizer, desde já e publicamente, que, apesar de todas as reservas que nos continua a merecer algumas das soluções propostas no projecto de lei do Partido Socialista, porque estamos convencidos de que, de facto, subjectivamente, os Deputados e o Grupo Parlamentar do PS que subscreveram esse projecto querem acabar com a penalização da mulher, o PCP e os seus Deputados