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28 DE MAIO DE 1998 2529

O Governo viria, afinal, a meter entraves à aprovação na especialidade, alertado que foi pelos protestos das seguradoras privadas, que, num assomo de grande altruísmo, continuaram a reclamar a manutenção do ramo acidentes de trabalho sob a sua alçada, apesar-- coitadas das beneméritas! - de invocarem prejuízos decorrentes da gestão corrente dos seguros.
Nunca se viu altruísmo tamanho, de espantar, por parte de quem cedo alijou responsabilidades na reparação das doenças profissionais, devido, sobretudo, à silicose, acedendo facilmente a que tal reparação passasse para a segurança social. Tal aconteceu em 1962, com a criação da Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais, transformada hoje no Centro Nacional de Protecção dos Riscos Profissionais.
Na verdade, apesar de a concorrência entre seguradoras ter determinado taxas baixas nos prémios de seguros, a partir das quais as seguradoras - coitadas! - alegavam não poder suportar aumentos nas pensões e indemnizações, estas lucram milhões com o ramo acidentes de trabalho. Em 1993, este ramo representava 13,4% do total da actividade seguradora e perto de 20% dos seguros não-vida.
Foi a protecção dos interesses das seguradoras que levou o Governo a apresentar uma proposta de lei, hoje transformada em lei, cujos aspectos negativos sobrelevam, em muito, os aspectos positivos que também salientámos na altura.
A lei era, em muitas das situações, um cheque em branco que o Governo ainda não preencheu.
A lei está dependente, para entrarem vigor, de 17 regulamentações. Cerca de um ano passado após a publicação do diploma, ainda nada se conhece da regulamentação, a qual parece estar a conhecer dificuldades, pois que com o que as seguradoras pretendem ficará ainda mais patente o recuo das soluções, no final do século XX, século que contou com espantosas inovações tecnológicas, de que só uma meia dúzia se quer apoderar, furtando-as aos trabalhadores.
A lei não prevê a actualização das pensões degradadas, a lei não prevê a actualização anual de pensões, a lei prevê as remissões de pensões inferiores a 30%, segundo tabelas desconhecidas, mas que, no interesse das seguradoras, desejosas de se libertarem das reservas matemáticas destas pensões, não deverão ser grande coisa.
E, sobretudo, a lei esquece que a protecção social não pode conseguir-se com a manutenção do ramo do infortúnio laborai nas seguradoras privadas.
A lei nada diz sobre o momento em que a reparação dos acidentes de trabalho passará para a segurança social, ignorando a Carta Social Europeia, fazendo por esquecer que, nesta matéria, Portugal se encontra isolado na União Europeia, ignorando que o Comité de Peritos do Conselho da Europa, encarregado de acompanhar a aplicação daquela .Carta, considerou, referindo-se a Portugal "que a reparação dos acidentes de trabalho pelo empregador deverá ser integrado no regime de segurança social".
Só dessa forma, aliás, poderão os sinistrados do trabalho ser considerados pela lei, como homens sociais, cujos danos terão de ser ressarcidos na totalidade.
E tal não é possível mantendo nas seguradoras que vivem do lucro, mesmo que à custa de um ramo de seguro tinto de sangue, a reparação dos acidentes de trabalho.
Cedo, aliás, sé pôde prefigurar, que o Governo queria esquecer, nesta matéria, a Carta Social Europeia, e o aggiornamento pela Europa.
Na verdade, com a publicação do Decreto-Lei n.º 35/96, pudemos verificar que o Governo reservava apenas para a segurança social, apesar do que a tal respeito prescreve a Lei n.º 28/84, a reparação das doenças profissionais, excluindo a reparação dos acidentes de trabalho. O lobby segurador funcionava, o lobby funcionou contra os direitos mais elementares de quem trabalha.
E até onde irão as cedências do Governo? Será que as seguradoras conseguirão obter a gestão, que reclamam, da fusão do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, com défices do sector privado financiados pelo Orçamento do Estado, da fusão deste Fundo, que elas reclamam, com o Fundo de Actualização de Pensões, para assim poderem, elas, seguradoras privadas, gerir uma parte do Orçamento do Estado?
De cedência em cedência, o que se cede é, de facto, o direito dos trabalhadores à saúde, à higiene e à segurança no trabalho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O negro panorama em matéria de sinistralidade laborai indica-nos que não se fiscaliza o cumprimento da legislação que protege os trabalhadores.
E há mesmo casos escandalosos, como os das tendinites em várias empresas, entre os quais se destaca o caso da Ford Electrónica. Prometeu-se aos trabalhadores um estudo, sabia-se que o sistema de laboração da empresa causava aquelas doenças pois já o mesmo acontecera no Brasil, mas tudo continua na mesma.
Afectados estão centenas de trabalhadores, com destaque para jovens mulheres, definitivamente incapacitadas para muitas das tarefas da sua vida familiar e profissional. Será possível fazer descer o Governo do seu pedestal europeísta para olhar para estas mulheres, que têm direito não só à vida mas também à qualidade de vida?
O Governo terá presente que, segundo um inquérito do Secretariado Nacional de Reabilitação, existe no País um total de deficiências superior a um milhão? Que é. de 9,2%, segundo o tal relatório que citei ao princípio, a percentagem de pessoas com deficiências na população total? O Governo terá presente que, segundo esse inquérito, apenas 279 000 beneficiam de reabilitação?
E o que vai fazer o Governo?
Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Porque em matéria de acidentes de trabalho se continua a raciocinar apenas como se se tratasse apenas de uma questão de seguro; porque as vistas curtas fazem esquecer o que se perde do precioso capital humano, convém recordar o que o sociólogo Pierre Jaccard escreveu na sua História Social do Trabalho: "Há invenção, descoberta, crescimento económico e progresso social quando o trabalhador, manual ou intelectual, é dignificado; mas a ruína está próxima quando o trabalhador é menosprezado".

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Rato.