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I SÉRIE-NÚMERO 47 1740

e o facto de se ter, por interesse dos grandes países exportadores, alargado à agricultura os mecanismos da ultraliberafzação do comércio mundial, obrigando a uma artificial descida de preços só parcialmente compensados por ajudas ao rendimento (o que constitui também uma das linhas mestras de orientação propostas para a próxima reforma, Sr. Ministro!), conduziu a que hoje mais de metade (56%) do rendimento total do sector agrícola da União Europeia resulte de apoios comunitários. Só que, pelas razões que expus, 83% dos apoios foram para três produtos: culturas arvenses, leite e carne de bovino. Entretanto, os chamados produtos mediterrânicos tiveram um nível de apoios que não ultrapassa os 7%, se excluirmos o tabaco.
Um exemplo concreto: os cereais beneficiam de ajudas directas à produção correspondente a 58% do respectivo rendimento total; os produtos mediterrânicos - o vinho, as frutas e os hortícolas - não beneficiam de qualquer ajuda directa à produção. Esta distribuição completamente desequilibrada dos apoios - beneficiando as chamadas produções continentais e prejudicando as produções do Sul - é, aliás, contraditória com o facto de serem os sectores agrícolas dos países ditos mediterrânicos (Portugal, Espanha, Itália e Grécia) que mais contribuem para o valor acrescentado bruto (VAB) agrícola da União Europeia: 53% contra 47% dos países do Centro e do Norte da Europa.
De todo este quadro, resulta que o nível de apoios por agricultor dos países mediterrânicos seja três a seis vezes inferior ao que recebem os agricultores dos países do Centro e do Norte da Europa. Mas mesmo esta realidade, já de si desequilibrada, agrava-se quando fazemos uma análise mais fina, país a país. Aqui, os agricultores portugueses aparecem como os que menos apoios recebem da Comunidade: 1.100 ECU por activo agrícola em apoios aos preços e 800 ECU por activo agrícola em ajudas ao rendimento, quando a média na União Europeia é, respectivamente, de 6.800 ECU e de 3.700 ECU; para não citarmos a Grécia, onde é 2.900 e 2.600 ECU; a Espanha, 3.700 e 4.100 ECU; a Itália, e por aí adiante. Perdoem-me o excesso de dados estatísticos, mas só assim conseguimos ter uma visão séria e fundamentada do que significa a afirmação, tantas vezes repetida, de que a actual PAC descrimina as agriculturas e os agricultores do Sul, e, em primeiro lugar, a agricultura familiar. Mas, chegados aqui, é necessário recordar que o País também tem culturas continentais - cereais e oleaginosas, carne e leite - que não pode nem deve abandonar pela sua importância nacional, regional e social, e para as quais é necessário continuar a garantir políticas que as não inviabilizem.
Mas há mais elementos a reter neste diagnóstico. A PAC foi forjada para uma agricultura altamente profissionalizada - de que a Holanda, que está na sua origem, é o paradigma - e, portanto, os regulamentos comunitários privilegiam os agricultores ditos profissionais. Os apoios são atribuídos em função da produção, da dimensão das explorações e do tempo de trabalho que cada um dedica à actividade agrícola. Só que, em Portugal (e, em geral nos países do Sul), a realidade é completamente outra. Nós temos uma agricultura de base essencialmente familiar, a tempo parcial, policultural. Os regulamentos comunitários e a sua repetição mecânica pelos governos portugueses faz com que, por um lado, os apoios se concentrem nas explorações de maior dimensão e que, por outro, mais de metade dos agricultores portugueses não tenham acesso a apoios ao investimento nem aos apoios às

regiões desfavorecidas. Só podem apresentar projectos de investimento os agricultores que dediquem mais de metade do seu tempo de actividade à agricultura e retirem dela mais de metade do seu rendimento. Tal como só têm acesso às indemnizações compensatórias os agricultores «profissionais». Se soubermos que, em Portugal, o grau de profissionalização é de cerca de 25% contra valores que oscilam entre os 58% e os 75% nos países do Centro e do Norte da Europa, então percebe-se porque é que o grosso dos agricultores portugueses está fora de qualquer sistema de apoios. E percebe-se também que o sistema faça com que, em Portugal, os apoios se concentrem particularmente nas explorações de recorte latifundista que têm como orientação económica predominante os cereais e as oleaginosas. Estas culturas, que contribuem somente com 1,7% para o Valor Acrescentado Bruto (a preços de mercado), beneficiaram em 1996 de um nível de ajudas ao rendimento de 190% nos cereais e de 216% nas oleaginosas quando, em contraste, as explorações predominantemente de tipo familiar, assentes na horticultura, na fruticultura e no vinho, que contribuem com mais de 50% para o valor acrescentado bruto, tiveram um nível de suporte zero.
Srs. Deputados, quando falamos em Agenda 2000 e reforma da PAC, é isto que está em causa. É este modelo que acabei de apresentar. Ora, a solução desta questão não é compatível com remendos, com pequenos negócios, com moedas de troca, em que a agricultura e os agricultores portugueses saem sempre a perder.

Aplausos do PCP.

A solução desta questão não é compatível com a renacionalização dos custos da PAC, em que 25% das ajudas directas à produção seriam suportadas pelos orçamentos nacionais. Independentemente da dimensão global concreta que este valor assuma - e que está longe de estar esclarecido -, o princípio da renacionalização é inaceitável para Portugal e põe em causa o princípio da coesão e da solidariedade tão apregoados nos tratados. Porque a renacionalização pode levar a um acréscimo de encargos para o Orçamento nacional, que pode eventualmente chegar a cerca de metade das despesas nacionais actuais com a agricultura; porque a renacionalização, tendo presente as capacidades orçamentais de cada país e o exemplo da dimensão que já hoje assumem as ajudas nacionais por agricultor, conduziria a que se acentuasse o desequilíbrio entre os rendimentos dos agricultores portugueses e dos restantes países; porque a renacionalização desequilibraria ainda mais os apoios às produções, com prejuízo para as culturas mediterrânicas; porque a renacionalização significaria que, durante décadas, os países setentrionais foram apoiados para que as suas agriculturas se desenvolvessem e agora os agricultores portugueses teriam de pagar os custos da irracionalidade da PAC.
O Governo português, aliás, deve dizer claramente qual é a orientação que defende nesta matéria e em tudo o que tem a ver com a reforma da PAC. A -proposta da Comissão e a renacionalização é uma boa base de trabalho, como defende o Ministro dos Negócios Estrangeiros e a Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus? Ou é inaceitável, como por vezes afirma, para consumo interno, o Ministro da Agricultura, que já chegou a afirmar que esta proposta da PAC só passaria por cima do seu cadáver? Faço votos, Sr. Ministro, para que não tenhamos brevemente mais uma baixa no Governo!