2492 I SÉRIE - NÚMERO 68
se trata de uma definição absolutamente fechada mas o grau de relativa e controlada indeterminação não é maior do que o existente em outras legislações comparáveis. Aliás, o conceito utilizado corresponde ao texto do Acordo Quadro Europeu de 1998, como já disse baseado em apoios dos sindicatos europeus e das confederações, muito próximo da Convenção n.º 175 da OIT e quase idêntico ao utilizado no ordenamento jurídico alemão. Sempre se poderá argumentar que não é suficiente mas, então, que dizer da generalidade dos países europeus onde, pura e simplesmente, não existe sequer uma definição geral do trabalho a tempo parcial? Que dizer, por exemplo, do Reino Unido ou da Bélgica?
Um outro aspecto que importará esclarecer diz respeito à prestação de trabalho suplementar por trabalhadores a tempo parcial. Também aqui se tem dito que, ao permitir-se a prestação de trabalho suplementar por trabalhadores a tempo parcial, se estaria a desvirtuar o sistema, impedindo os benefícios da livre gestão de tempo disponível pelos trabalhadores. Quanto a nós, mais uma vez, sem razão. Uma coisa é a estrutura típica do exercício da actividade ser desenvolvida em regime de tempo completo ou parcial, questão diferente diz respeito à prestação de trabalho suplementar. Não se vislumbram razões para, em abstracto, se excluir de modo absoluto a possibilidade de prestação de trabalho suplementar por trabalhadores em regime de trabalho a tempo parcial. As razões legalmente previstas para o recurso à prestação de trabalho suplementar não dependem da estrutura típica do modo de exercício da actividade mas, ao invés, de circunstâncias excepcionais, eventuais e temporalmente limitadas.
Nenhuma razão essencial ou de princípio afasta, assim, à partida, a possibilidade de prestação de trabalho suplementar por trabalhadores em regime de tempo parcial. E, assim sendo, Srs. Deputados, impedir em absoluto o trabalho suplementar, no caso de trabalhadores a tempo parcial, acabaria ou por desincentivar em níveis inaceitáveis a utilização regular do trabalho a tempo parcial ou por resultar no sério risco de utilização abusiva do trabalho suplementar, com prejuízos, aí, sim, evidentes para os trabalhadores.
O Sr. Artur Penedos (PS): - É claro!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eles não trabalham a tempo parcial, mas fazem horas extraordinárias?! Isto é uma maravilha!...
O Orador: - Não havendo nenhuma objecção de princípio, tudo está em acautelar que o trabalho suplementar desenvolvido por esses trabalhadores não só respeita os limites gerais impostos à prestação de trabalho suplementar como se circunscreve a condicionantes específicos capazes de impedir a perversão do sistema. Foi justamente isto que o Governo proeurou acautelar na proposta em análise e, diga-se em abono da verdade, mais uma vez, sem ser especialmente inovador relativamente às legislações congéneres.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Lá fora, eles já andam a «levar com a marreta»!
O Orador: - Gostava de abordar aqui uma última questão, já que tem sido recorrentemente deturpada. Refiro-me à questão dos alegados incentivos ao trabalho a tempo parcial.
Primeiro equivoco a desfazer: o Governo não propõe quaisquer incentivos dirigidos de per si e como objectivo final à utilização do trabalho a tempo parcial, aquilo que o Governo propõe é que se estimule a criação e o crescimento do emprego, também através da utilização do trabalho a tempo parcial, estando para isto disposto a contemplar incentivos, o que é profundamente diferente. A razão de ser dos incentivos fica assim esclarecida: o Governo acredita convictamente, como, aliás, os parceiros sociais que subscreveram o Acordo de Concertação Estratégica, que o recurso ao trabalho a tempo parcial, desde que efectuado nos termos da lei, pode ter efeitos positivos ao nível do emprego, mas também sabe das habituais e compreensíveis resistências à inovação, e é por esta razão que propõe a concessão de incentivos aos trabalhadores e aos empregadores que se disponham a utilizar o sistema com efeitos multiplicadores no emprego. Porém, isto não significa, de todo, que o Governo veja no recurso ao trabalho a tempo parcial uma alternativa às políticas dirigidas ao crescimento do emprego em geral, políticas que o Governo tem vindo e continuará a implementar, significa que entendemos que o trabalho a tempo parcial é uma alternativa viável e inequivocamente preferível ao desemprego e uma porta aberta à reentrada na vida activa de muitas pessoas que se julgavam irremediavelmente arrastadas para as margens da exclusão social.
Quanto à natureza dos incentivos, não há, na proposta, grandes novidades. Em geral, os incentivos de redução limitada das contribuições para a segurança social e de apoios financeiros têm a mesma natureza dos incentivos já previstos na legislação em vigor para a contratação de jovens e desempregados de longa duração, tem apenas uma maior incidência em jovens desempregados ou em desempregados há menos tempo do que no caso mais global.
Há, no entanto, um aspecto inovador que será importante destacar: prevê-se agora a instituição de um subsídio de desemprego parcial para os casos em que a retribuição proposta para o trabalho a tempo parcial seja inferior ao montante do subsídio de desemprego. Como facilmente se compreenderá, visa-se, deste modo, evitar uma recusa, por motivos de diminuição do rendimento, promovendo-se, ao mesmo tempo, uma efectiva reinsercão no mercado de trabalho de pessoas desempregadas, através da recuperação do seu indispensável capital de confiança.
Aos que agora vêm dizer que se trata de simples subsídios indirectos à custa de benefícios sociais dos trabalhadores, lembramos apenas que a sustentação financeira da segurança social dependerá sempre do incontornável equilíbrio entre contribuições e prestações do sistema. Assim sendo, as medidas que possam estimular o emprego têm um efeito duplamente vantajoso para a segurança social, na medida em que reduzem os utilizadores de prestações sociais ao mesmo tempo que aumentam os seus financiadores. Não há, deste modo, qualquer impedimento, seja de princípio político, seja de ordem jurídica, que obste a que o orçamento da segurança social possa financiar medidas de política activa de emprego, bem ao contrário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de terminar esta intervenção.
Este Governo ficará certamente marcado como o Governo do diálogo construtivo, empenhado e consequente. Foi em diálogo construtivo e empenhado que o Governo, em conjunto com os parceiros sociais, construiu, pedra por pedra, os difíceis e indispensáveis equilíbrios que conduziram às bases das propostas de modernização das relações laborais em Portugal que se apresentam às Sr.ªs e aos Srs. Deputados.
É nesse mesmo processo que o Governo convida a sociedade portuguesa, em geral, e esta Assembleia, em particular, a participar.