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Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República discute e vai votar hoje, a escassas semanas da apresentação do Orçamento do Estado, uma moção de censura do PSD.
A moção que se tinha tornado previsível desde a chamada rentrée política, o ritual a que os portugueses passaram a assistir para ver os partidos tradicionais assinalarem o convencionado fim de férias, que, aliás, a maioria dos portugueses ainda não goza.
A moção, que é pública desde a divulgação dos seus termos, que, aliás, o PSD deu a conhecer aos partidos das diferentes oposições.
A moção, que se justifica, segundo os seus proponentes, «pela grave situação, tanto do ponto de vista económico quanto no plano da segurança e da autoridade do Estado».
Justificação essa que tinha levado o PSD a exigir a demissão do Ministro da Administração Interna e a separação dos Ministérios da Economia e das Finanças.
Iniciativa política esta com a qual «Os Verdes», pelos seus contornos, não se identificam, da qual se distanciam e em relação à qual se vão abster.
A abstenção, desde logo, pela inoportunidade do momento escolhido pelo PSD - assim o entendemos -, a duas semanas da discussão do Orçamento do Estado, momento privilegiado para avaliar políticas e exprimir concordâncias ou discordâncias.
Inoportunidade, que acaba por fazer da moção um - mais um! - exercício, nesta Câmara, de marketing político, afinal tão igual ao estilo do Partido Socialista, que nessa matéria criticamos.
A abstenção porque, coincidindo na crise que só o Partido Socialista teima em não ver, não partilhamos os termos do diagnóstico feito, muito concretamente no tocante às questões da segurança e da alegada erosão da autoridade do Estado, que para nós mais não são do que uma consequência natural, directa e indissociável da própria situação social e de exclusão que prevalecem no nosso país.
A abstenção, acima de tudo, pelas soluções preconizadas pelo PSD, que manifestamente não partilhamos, e que se revelaram, no passado, desastrosas.
Uma posição de voto, a de Os Verdes, que não poupa, contudo, o Partido Socialista, que não o iliba, que não ilude nem ignora a sua responsabilidade política maior perante a situação de crise em que começamos, cada vez mais, a mergulhar.
Uma crise que não é artificial, mero estado de espírito, simples inquietação.
Uma crise que é preocupante, que está a enraizar-se na sociedade portuguesa e no modo superficial como esta é estimulada pelo Governo a viver e a pensar.
Uma crise que é vivida pelas pessoas, sentida nas crescentes dificuldades do seu quotidiano e na degradação da sua qualidade de vida, bem como na generalidade dos serviços públicos.
Uma crise indisfarçável na persistência de problemas - velhos de anos, é certo - na saúde, no ensino, no ambiente, na fiscalidade.
Uma crise indisfarçável e manifesta, ainda, na dificuldade demonstrada pelo Governo em ser capaz de pensar, de preparar e de cuidar seriamente dos desafios incontornáveis em qualquer sociedade, hoje, quer se fale da mudança climática, quer se fale da energia, quer se fale da modernização da economia, da transformação dos processos tecnológicos, da igualdade de direitos, da política de imigração, da formação e do ensino ou da utilização sustentável dos nossos recursos.
Uma crise preocupante, que o facilitismo e o permanente adiar das questões tenderá, cada vez mais, a tornar mais difícil de gerir.
Uma crise que não se compadece com meros actos simbólicos, que não se resolve com a busca de bodes expiatórios, com políticas de fachada.
A crise que não se resolve só tão-pouco, em nosso entendimento, com melhor coordenação, mais coesão, mais eficácia. Aliás, porque não resulta só disso, já que, é evidente, não estamos perante uma simples falta de articulação dentro do governo, mas sim perante a desistência pura e simples do PS de adoptar políticas alternativas, políticas de esquerda, pautadas pelos valores da solidariedade, da justiça e do interesse público.
Políticas alternativas essas de que o governo tem sistematicamente abdicado; políticas que não passam por novas promessas do céu, com o anúncio de novos ciclos radiosos; políticas alternativas que radicam, isso sim, com os pés assentes na terra, em medidas concretas, definidas no tempo, com clareza de objectivos, participadas, medidas que enfrentem com coragem, sem tibiezas e na rotura com velhas receitas estafadas, os vários grupos de interesse instalados na nossa sociedade.
Medidas que ponham fim à escandalosa alienação do património público; que, na fiscalidade, ponham fim à insustentável injustiça fiscal, à evasão e fraude, e à manutenção de escandalosos benefícios fiscais; que, na saúde, dêem prioridade absoluta à optimização dos recursos humanos e dos equipamentos disponíveis, em nome dos cidadãos e do seu direito a serviços humanizados; que na política florestal e dos solos deixem de se orientar e ceder à lógica dos interesses imediatistas da indústria papeleira ou da especulação imobiliária, mas se movam pelo interesse público, pelo interesse nacional e por uma perspectiva de longo prazo; que, na energia, deixem de considerá-la uma coutada de influência e de decisão exclusiva de alguns, mera fonte de financiamento directo do Estado, com é o caso da venda dos combustíveis, ou uma questão que só se torna relevante em momento de crise, e passem a considerá-la uma questão estratégica nacional, com consequências para o ambiente, para a saúde e para o bem-estar da economia. Uma questão que implica, naturalmente, um investimento prioritário no transporte público e de eficiência energética, apoio à conservação, investimento nas fontes alternativas, que, no nosso país, lamentável e estranhamente, continuam tão esquecidas.
Medidas que à segurança dêem, finalmente, uma perspectiva actualista, que não se confina na estreiteza de um horizonte policial ou militar mas na aposta efectiva, até hoje ignorada, da prevenção dos nossos recursos e bens patrimoniais como o mar.
Políticas que, no plano dos direitos, da desigualdade e da discriminação, não podem ficar-se por meros slogans