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0428 | I Série - Número 12 | 19 De Outubro De 2000

Duas grandes iniciativas a nível internacional evidenciaram os crescentes protestos populares contra a usurpação dos recursos do mundo, contra a globalização capitalista e contra a sacralização do reinado do mercado. E foi nestas duas grandes iniciativas que os pobres, os excluídos e os sem-abrigo foram verdadeiramente protagonistas, pela justeza das suas reivindicações e pela análise certeira das causas de exclusão.
No dia 12 de Outubro realizaram-se, em várias localidades, manifestações do «Grito dos excluídos», um movimento social que, com outras organizações, luta contra a globalização neoliberal, exigindo políticas económicas que realizem direitos humanos fundamentais.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Ontem mesmo, a Marcha Mundial das Mulheres contra a Pobreza e a Violência teve o seu desfecho em Nova Iorque, na sede das Nações Unidas.
A representante do Secretário-Geral da ONU, Louise Frechette, na mensagem que dirigiu às mulheres que, em representação da Marcha, recebeu ontem mesmo na sede da ONU, afirmou: «Os números falam por si: 2,8 biliões de pessoas, ou seja, quase metade da população mundial, continuam a viver na miséria, com um rendimento de menos de 2 dólares por dia. Entre eles, 1,2 biliões de pessoas devem sobreviver com menos de 1 dólar por dia, 1 dólar para a alimentação, para o alojamento e para o vestuário».
Estes dados citados pela representante da ONU são dados estimados, mas os números reais podem ultrapassá-los, dada a dificuldade em construir estatísticas de muitos dos excluídos, os que não aparecem nos painéis dos rendimentos dos agregados familiares, porque não têm residência fixa - a sua casa é quantas vezes a soleira de uma porta disponível -, não têm lar e não estão sequer em asilo ou em centros para reformados
Dos dados conhecidos, sabe-se que a União Europeia conta com 18 milhões de desempregados, estatisticamente recenseados, e com 50 a 70 milhões de pessoas em situação de precaridade. E, segundo dados do próprio Eurostat, cerca de 25 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza persistente. - a este respeito convirá salientar que Portugal aparece nesses dados em situação cimeira, com a taxa de 12% de pessoas em situação de pobreza crónica. A respeito ainda da pobreza, os últimos dados fornecidos, aliás divulgados pelo Ministério para a Qualificação e o Emprego, indicam que no continente anda por cerca de 20% a percentagem da pobreza.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Sabe-se como é com os baixos salários, quantas vezes resultantes da precarização nas suas mais variadas formas, com a privação de emprego, que começa muitas vezes a marcha dolorosa para a pobreza, que continua com a consequente impossibilidade de aceder ao bem-estar, aos cuidados de saúde, com a privação de alojamento ou a sobrelotação dos alojamentos.
E a respeito do nível salarial, também as estatísticas do Eurostat nos relegam para a cauda da Europa, relativamente à remuneração do trabalho.
Os dados mundialmente conhecidos não deixam margem para dúvidas. O mundo chegou ao fim do século XX, com o triunfo das desigualdades, com uma mole imensa de excluídos, aqueles que, segundo definiu o Conselho da Europa, em 1994, se encontram parcial ou totalmente fora do campo de aplicação efectiva dos direitos do homem.
E, no entanto, contraditoriamente, o século assistiu a insistentes afirmações da necessidade de efectivar os direitos do homem, na sua indivisibilidade - os direitos políticos, económicas, sociais, culturais, ambientais -, como aconteceu na Conferência de Viena de 1993, em que essa indivisibilidade foi proclamada.
As conferências do Cairo e de Beijing debateram a pobreza e a necessidade de a erradicar. E já lá vão seis anos e cinco anos, respectivamente!
A Organização Internacional do Trabalho escutou, comovida, os testemunhos de crianças participantes na Marcha Mundial das Crianças contra o Trabalho Infantil.
O último Relatório do Desenvolvimento Humano, do PNUD, intitula-se Vencer a Pobreza Humana.
Tudo parece, à primeira vista, concertar-se para a eliminação da exclusão social, para o que não faltam os progressos científicos e tecnológicos.
O próprio FMI - pasme-se! - e o Banco Mundial dizem estar preocupados com a pobreza. E, no entanto, a realidade abate-se sobre nós, quando dos números passamos à visualização da miséria, através, por exemplo, da obra de Sebastião Salgado - os êxodos, o trabalho humano prestado em péssimas condições, a fome e o destaque para o sofrimento das crianças, a quem também o século XX deixa a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, sem as poupar ao sofrimento.
Bem longe nos encontramos da efectivação dos direitos humanos! E tal não é, de facto, possível com o neoliberalismo, que dá de barato a consagração formal de direitos, desde que seja preservado o seu direito fundamental: o direito de não respeitar quaisquer direitos. Esta é a forma do exercício da sua liberdade, porque para os «neoliberais», porque nada têm de neoliberais, as desigualdades sociais são inevitáveis. Elas, segundo eles, assentam no que chamam de ordem natural, porque querem preservar a sua ordem cultural.
Quando muito, o capitalismo neoliberal, confrontado com as movimentações dos pobres, admite, por se sentir ameaçado, alguma atenção às políticas sociais, desde que não belisquem o seu poder, a sua riqueza e a sua consideração.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - E chega-se até ao despudor de responsabilizar os excluídos pela sua própria exclusão. Até podemos ver isso no Relatório do PNUD, embora disfarçado. A ideia de que podem superar por eles mesmos a pobreza está bem expressa no uso e abuso, nos textos internacionais, da noção de enpowerment - e os excluídos não sabem o que isto quer dizer! -, sem se ter em conta a precaridade intelectual e psicológica das pessoas que vivem na pobreza, como acentuou o Prémio Nobel de Economia Amartya Sem.
Mas não se atiram para o caixote do lixo da História, que é onde irão parar as políticas que causam a exclusão e que cavam um imenso fosso entre pobres e ricos - a sacralização do mercado, os programas de ajustamentos estruturais do FMI e também do Banco Mundial, a dívida sempre crescente dos países mais pobres, os paraísos fiscais. Os pobres e excluídos, que se manifestam contra a pobreza, exigem outras políticas que combatam verdadeiramente as desigualdades, porque a pobreza não radica em