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0658 | I Série - Número 18 | 03 De Novembro De 2000

interessante repararmos na «teoria do pião» e em como as coisas voltam a ser o que eram!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O criminoso volta sempre ao local do crime!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tema que hoje discutimos nesta Câmara é da maior importância para o País. De facto, é um tema tão importante que nem o pacote de medidas ontem anunciadas pelo Governo e hoje aprovadas em Conselho de Ministros esgotou a discussão que estamos a ter. E não o esgota por dois motivos: o primeiro é o da responsabilidade política do Governo e da bancada do PS; o segundo é o do que ainda falta fazer para além da revisão do Plano Alcoológico Nacional.
Debrucemo-nos, então, sobre o primeiro argumento. O pacote legislativo hoje anunciado e aprovado foi - mera coincidência! - apresentado nas vésperas deste debate, o que não iliba o Governo da inacção que teve ao longo destes cinco anos. Ao nível da prevenção, ao nível do tratamento, ao nível da informação e da formação dos profissionais, quase nada foi feito.
De 1995 até hoje, sobre o que não foi feito, há uma responsabilidade política objectiva do Partido Socialista e dos seus Governos que hoje, aqui, nesta Câmara, não podemos deixar de chamar à colação. Não é o facto de se ter feito aprovar um conjunto de medidas legislativas que desculpabiliza o Governo. Há muito que se esperava a apresentação do novo plano, mas quero registar que não augura um bom princípio o facto de este plano ter nascido no dia de finados, por sinal véspera deste debate!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O fenómeno do alcoolismo, da dependência e do consumo excessivo de álcool é um fenómeno complexo, de múltiplas perspectivas e contornos e, por isso mesmo, muito difícil de abordar. Há contornos económicos, há contornos sociais, há contornos de saúde pública e, acima de tudo, há uma perspectiva que continua a ser menosprezada e quase ignorada: a da influência que o álcool tem sobre os ambientes familiares.
Violência doméstica sobre as mulheres e os filhos, ruptura da vida em comum e divórcio, desinteresse sobre a vida familiar, delinquência juvenil, mau aproveitamento escolar, falta de comunicação e destruição da vida familiar são fenómenos que estão ligados, na maioria dos casos, a problemas com o álcool.
Os efeitos económicos que o alcoolismo tem no nosso país são enormes. Portugal tem 1 milhão de consumidores de álcool em excesso. Portugal tem 800 000 alcoólicos. 40% dos acidentes rodoviários prendem-se com um consumo excessivo de álcool. 20% das baixas ao trabalho e cerca de 30% dos acidentes laborais têm directamente a ver com o consumo de álcool. Cerca de 6% do PIB - se calhar, até posso estar a falar de um PIB que é tão querido ao nosso Secretário de Estado! - é afectado devido ao consumo excessivo de álcool. Estes são os efeitos económicos, brutais mas mensuráveis.
Os efeitos sobre a família de que há pouco vos falei, se calhar com uma brutalidade ainda maior, esses são, obviamente, incomensuráveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que vos mace ainda um pouco mais com alguns dados que me parecem pertinentes.
70% dos rapazes e 25% das raparigas acima dos 15 anos consomem álcool. 47,9% das crianças com menos de 15 anos que consomem álcool fazem-no regularmente vários dias por semana. Portugal tem a taxa de mortalidade por cirrose hepática mais elevada da Europa. A idade para o primeiro consumo de álcool é entre os 11 anos e os 14 anos. Cerca de 20% dos jovens tem contacto com o álcool antes dos 10 anos. Os jovens que consomem regularmente álcool aos 14 anos têm quatro vezes mais apetência para serem alcoólicos do que aqueles que o consomem regularmente a partir dos 18/20 anos.
E quando o retrato que temos em Portugal é este, um retrato negro e difícil, e nos perguntamos o que é que o Governo fez, acho que só há uma resposta.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Nada!

O Orador: - Vou passar a ler-vos um excerto do relatório co-organizado pela Coface, que é a Confederação Internacional das Famílias, da União Europeia, que, penso, relata bem a resposta à pergunta que coloquei.
Passo a citar: «(…) Podemos resumir a situação do álcool e da família, em Portugal, nalgumas palavras-chave: indiferença, ignorância, vergonha em falar no assunto.
Em todas as instituições, com as quais falámos para este estudo, governamentais e não-governamentais constatámos uma fortíssima 'política da avestruz': alguns sabem o que se passa, mas não querem reconhecer os problemas; a maioria não está, sequer, desperta para a extensão terrível do problema. As crianças são vítimas de abuso e de negligência; as mulheres sofrem violência e maus tratos; há um número muito alto de viúvas e órfãs de maridos e pais cirróticos e há pessoas portadoras de deficiência, em consequência de acidentes rodoviários motivados pelo álcool. Isto não é mais do que a ponta do iceberg (…)».
Mas, afinal, o que é que motivou esta política da avestruz? O que é que levou a que este fenómeno não seja analisado em toda a sua extensão e, nomeadamente, nas suas consequências sobre a família?
O mesmo estudo avança com uma explicação: preconceito e vergonha.
Todas as políticas e acções são dirigidas para as áreas de tratamento e de reinserção. Análise das repercussões do álcool sobre o ambiente familiar não há!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, isto leva-me ao segundo motivo de que vos falava no início: o que falta fazer, para além da revisão deste Plano? Antes de mais, temos de compreender que este fenómeno teve uma evolução significativa. Há novos dados e novas perspectivas que não podemos ignorar.
Há poucos anos atrás, o alcoolismo era um fenómeno maioritariamente do interior do País, de classes com pouca formação académica, poucos recursos e pouca informação. O fenómeno do início do consumo por crianças e jovens estava também muito circunscrito a essas categorias. Hoje, para além desta realidade, que ainda não foi erradicada, o álcool é uma constatação em todas as classes sociais, no litoral e no interior, nas cidades e na província, e o consumo pelos jovens é alarmante. Portugal ocupa o topo do ranking dos países europeus onde o consumo pelos jovens é feito mais cedo e com mais regularidade.