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1723 | I Série - Número 43 | 01 de Fevereiro de 2001

 

Sem querer fugir ao debate, de que a Assembleia da República deve ser o rosto privilegiado, a mensagem mais relevante para as famílias enlutadas e para as centenas de cidadãos sobre os quais recaiu esta tragédia é a de uma profunda solidariedade nacional na preparação do «dia de amanhã».
Srs. Deputados, a extensa e desoladora destruição que assolou o nosso país merece igual tratamento nos seus efeitos, independentemente de se ter verificado nos distritos de Aveiro, de Vila Real, de Viseu, do Porto, de Santarém ou de Coimbra.
Permitam-me, contudo, que, por força das circunstâncias de ser Deputado pelo círculo eleitoral de Coimbra e de ter podido observar no local as cheias e seus efeitos nos concelhos de Coimbra e de Montemor-o-Velho, dispense a estes casos maior atenção.
Nos últimos 100 anos de memórias, não há quaisquer registos de tanta chuva na região Centro, o que, não isentando alguns de responsabilidades, justificará, em grande parte, todo o drama vivido. Desses «alguns», de que vos falo, fazemos todos nós parte, porquanto o Baixo Mondego pode servir de paradigma para a excessiva intervenção do homem na natureza e da tentação permanente para moldar o meio às suas necessidades, custe o que custar. A factura apareceu agora!
Percorrer, então, nestes últimos dias, o curso do maior rio português, o Mondego, foi o mesmo que acompanhar um imenso caudal de destruição e de dor. Por entre as localidades de Ceira, Ribeira de Frades, Pereira do Campo, Ereira e Montemor-o-Velho, entre outras, distribuem-se várias centenas de famílias desalojadas.
Há inúmeras obras municipais, muitas delas em fase de conclusão, de ETAR a mercados municipais, passando por sedes de associações culturais e lares de idosos, que ficaram completamente destruídos. Há pontes que caíram, barreiras que ruíram, electricidade cortada, escolas fechadas e vias de comunicação irremediavelmente intransitáveis, já para não falar nos anos e anos de investigação e de preservação histórica (por exemplo, no Convento de Santa Clara-a-Velha e no Teatro Esther de Carvalho) que foram, literalmente, «por água abaixo».
São seguramente muitos os milhares de contos de danos causados a um extenso tecido comercial, bem como ainda de difícil avaliação os prejuízos agrícolas submersos nos amplos campos do Mondego. Para se ter uma ideia aproximada do que falo, bastará dizer que cerca de 11 000 ha de propriedades ficaram inundados no Baixo Mondego, o equivalente a 2/3 do Baixo Mondego!
A todo este cenário de desolação tive a infeliz oportunidade de assistir. Mas vi também, e não foi apenas em 30 ou 60 céleres minutos, de passagem, como alguns dirigentes partidários, o Presidente da República atento, diversos membros do Governo empenhados, um Governador Civil sempre presente. Vi, igualmente, presidentes de câmara actuantes, inúmeras corporações de bombeiros exaustas, forças de segurança e exército a prestar um enorme apoio e agentes da Protecção Civil interventivos.
Aqueles eram, Srs. Deputados, momentos de crise e não de crítica, de acção e não de subversão, sobretudo de salvaguarda de vidas humanas, o que, apesar de tudo, se verificou. Agora, sim, começa o balanço e a necessária assistência material às populações afectadas, com vista à normalização das suas vidas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é certo que a causa primeira deste desastre nacional são as chuvas intensas, isto é, este fenómeno tem uma componente natural que dificilmente se impede (vejam-se os mais de 2000 m3/segundo a passar no açude de Coimbra, quando o normal é três ou quatro vezes menos). Contudo, devemos observar atentamente o que se passou para gerar todas as condições científicas, instituir os meios técnicos e definir as dotações orçamentais necessárias à prevenção futura de tais situações.
No imediato e porque estamos perante intempéries que causaram prejuízos extraordinários no território nacional, creio ser fundamental e justificada a consideração pelo Estado - Governo, Assembleia da República e autarquias, desde logo - de medidas igualmente excepcionais; a instituição de uma comissão interministerial que coordene todo o processo de reconstrução; a criação de um regime de excepção para as obras de reconstrução concedido às autarquias mais flageladas, agilizando todo o processo de obras, habitualmente burocrático, assim como o alargamento da linha de crédito bonificado para além dos 10 milhões de contos.
Estes são passos, de facto, muito relevantes, assim como, e ainda no que aos municípios diz respeito, a possibilidade de celebrar contratos-programa com a administração central, sempre que a dimensão dos custos e a necessidade das medidas ultrapassem a capacidade financeira das câmaras, o que é da maior pertinência.
Esperar uma resposta financeira da União Europeia para auxiliar o Estado português parece-nos, hoje, uma expectativa de solidariedade razoável, em face de situações idênticas ocorridas noutros países. Mas, Srs. Deputados, o sofrimento e o sentimento de perda total que hoje estão instalados em muitos portugueses impõem que lhes seja destinada a tal conta de emergência, com as verbas necessárias para fazer imediatamente face às exigências mínimas de sobrevivência. Estes casos mais gravosos não podem, de forma alguma, dispensar uma atenção imediata de todas as autoridades.
O Governo, é certo, demonstrou estar atento, quer pelos comentários imediatos e oportunos do Sr. Primeiro-Ministro quer pelas diversas medidas que amanhã serão aprovadas em Conselho de Ministros.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a considerável dimensão do rio Mondego, a sua importância ambiental, social e económica, associadas ao seu grau de imprevisibilidade natural, que agora testemunhamos, implicam uma atenção redobrada quanto à fiscalização e conservação do leito e das margens respectivas, que o mesmo é dizer um urgente e estruturado plano hidráulico da sua bacia.
As obras de regularização hidrográfica do Baixo Mondego têm dezenas de anos e absorvido muitos milhões de contos sem que existam garantias, conforme ficou provado, que o ordenamento do território está acautelado e a segurança das populações é preservada.
A responsabilidade política de tal facto não é apenas de governos vários como também de regimes e, por isso, impõe-se a sua avaliação e redefinição imediata.
Como os factos bem demonstram, regressámos, porventura, à «estaca zero», por isso e mesmo antes de apresentar para consulta pública um completo plano da bacia do