1777 | I Série - Número 44 | 02 de Fevereiro de 2001
centenas de toneladas! E os relatórios da mesma agência britânica dizem que se chegou a mais de 500 t.
Sabemos que, ainda no Verão passado, uma revista pública, o New Scientist, incluiu um artigo dizendo, justamente, do inventário dos perigos para a saúde que decorrem da utilização destas armas.
Sabemos que o exército americano, num excelente livro, o Medical Battle Book, com um prefácio do General Schwarzkopf, que foi quem comandou as operações, no terreno, do Iraque, vem, justamente, alertar para este perigo da inalação e da contaminação generalizada dos soldados e das populações em função do uso destas armas.
Mas, nós sabemos mais. Nós sabemos por que é que estas armas são utilizadas e por que é que as alternativas disponíveis, essas, são recusadas. Sabe-se que o tungsténio tem a mesma densidade e as mesmas propriedades mecânicas, nomeadamente, de penetração e de fusão das munições revestidas de urânio empobrecido; no entanto, não são munições revestidas de tungsténio as que são generalizadamente utilizadas neste contexto, pelo contrário. Esta disponibilidade existia até porque o tungsténio é muito barato, é tão barato que as minas portuguesas que produziam volfrâmio, do qual decorre a produção de tungsténio, foram sendo fechadas ao longo do tempo - as minas da Borralha, por exemplo. É tão barato no mercado internacional que há minas que não têm rentabilidade para o produzir. É claro que têm um pequeno problema: a China é o principal produtor mundial!
Mas o certo é que elas estavam disponíveis e a razão pela qual foram substituídas é outra: é a da vantagem para o complexo militar e industrial que recicla assim o subproduto da utilização da energia nuclear nas centrais nucleares civis ou em outras operações e que, desta forma, obtém um produto muito barato, presumivelmente eficiente, mesmo que ao custo - esse trágico! - da capacidade de sobrevivência das populações.
Com o que nós estamos confrontados - e dessa mentira, para nossa vergonha, o Governo português fez parte - não é com os efeitos de uma guerra convencional. Estamos confrontados, ao arrepio da Convenção de Genebra e contra as resoluções das Nações Unidas, com uma guerra química e radiológica de longa duração, por estrita vantagem do complexo industrial e militar, porque se sabe que, se bem que as radiações sejam de muito pouca relevância e potencialmente pouco perigosas quando o urânio empobrecido se encontra na sua configuração metálica normal, quando o urânio empobrecido é vaporizado tem o máximo das possibilidades de contaminação, em particular de contaminação química, pela inalação de metais pesados que são, desse modo, expulsos para a atmosfera.
O Sr. Ministro da Defesa, que, hoje, aqui não veio, entregou-nos um relatório onde se referia que só em urânio empobrecido vaporizado e em função das bombas identificadas pela NATO e de que a NATO forneceu informação teríamos pelo menos 3500 kg, dos quais cerca de 400 kg eram vaporizados na atmosfera e, depois, depositados nos solos e nos cursos de água. Ora, disto sabe-se e sobre isto a ciência tem hoje conhecimento suficientemente concreto. A vaporização produz um poderoso agente químico e um poderoso agente radiológico e todas estas micropartículas podem ser, as que são solúveis, absorvidas pelo sangue, afectando, portanto, os rins, e as que não são solúveis, depositadas nos pulmões. Existe, pois, aqui, um perigo radioactivo, visto que, como se sabe também, estas partículas alfa e gama não têm um limiar mínimo a partir do qual se tornam perigosas, vão-se desenvolvendo cumulativamente e depositando no organismo humano e a partir de qualquer momento podem tornar-se rapidamente cancerígenas.
Deste ponto de vista, o Governo cometeu, perante o País, a sua maior irresponsabilidade, que se traduziu na visita dos três ministros ao Kosovo.
O Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, ele próprio um cientista de reconhecidos méritos e que, hoje, aqui não está, tem vindo a repetir sistematicamente que a sua visita fulgurante ao Kosovo, com dois colegas, visava dar um novo impulso a uma investigação que, então, se colocava no terreno e a que ele tem vindo a chamar «missão científica independente». Percebo que o Ministro Sócrates vá fazendo escola, mas não consigo perceber que independência é que há numa missão científica do Instituto de Tecnologia Nuclear (ITN), que é nomeada pelo Governo, designada pelo Governo, formada pelo Governo e que responde perante o Governo. Não sei, sem duvidar dos méritos científicos de quem foi escolhido para essa missão, o que é que ela tem de independente, o que sei é que as afirmações que foram produzidas, em termos de relatórios preliminares desta expedição científica ou do próprio Ministro, para vergonha deste Governo, são absolutamente chocantes. Disse o Governo que não havia qualquer prova, pelos rastreios até agora efectuados, de uma incidência significativamente diferente, do ponto de vista estatístico, de leucemia entre os nossos soldados e a população portuguesa em geral; ou seja, a presença no Kosovo não teria aumentado o risco de incidência de leucemia. Isto é extraordinário! É extraordinário por duas razões que passo a explicar.
Em primeiro lugar, o Governo não dispõe actualmente de qualquer teste significativo - repito, de qualquer teste significativo - que permita saber da condição de saúde dos soldados que estão presentes. O teste que é preciso fazer, que é a espectroscopia de massa, não foi feito e, devido ao carácter ínfimo das partículas de que se está a tratar, demora, pelo menos, vários meses até se poder saber da existência ou não dessas partículas no organismo desses soldados. Demora vários meses e em laboratórios altamente especializados, em Portugal ou no estrangeiro, dos quais não temos até agora a mais ínfima informação científica.
Em segundo lugar, que eu saiba, os soldados portugueses não são homens e mulheres de 1 a 77 ou 80 anos de idade, os soldados portugueses, a contrario, não são uma amostra da população portuguesa, são, maioritariamente, homens de 18 a 22 anos de idade, com boas condições de saúde, que passaram por testes médicos, que estão altamente motivados, que têm grande experiência e capacidade física, o que não corresponde a uma amostra da população. Para se poder tirar qualquer consequência estatística sobre a comparação entre esses soldados e o que se passa no conjunto do País é preciso ter uma amostra de controlo maioritariamente de homens de 18 a 22 anos de idade, altamente motivados, muito bem preparados do ponto de vista físico e que tenham passado preliminarmente por testes de condição física, ou seja, que pudessem ser soldados. E isso não existe!
Portanto, estatisticamente, a afirmação de que não há perigo, quando se não tem sequer qualquer informação científica ou médica dos exames químicos pertinentes, é extraordinária e envergonha um Ministro da Ciência e Tecnologia que tem um historial, que tem, ele próprio, crédi