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2283 | I Série - Número 57 | 09 De Março De 2001

duzir o passado, como diria Eduardo Lourenço, «a um único signo, a um gesto, a um rosto, a Einstein com a língua de fora, às saias de Marylin Monroe abertas sobre o (in)consciente do século». O branqueamento do passado é o sustento do branqueamento de capitais. As recentes revelações contidas em IBM e o Holocausto, da autoria do Sr. Edwin Black, são poderosas informações, mais do que do anti-semitismo, de uma maquiavélica lavagem de dinheiro. O combate a este problema é, pois, tarefa hercúlea que ainda por cima esbarra numa enorme hipocrisia da comunidade internacional, como diria o nosso Presidente, Dr. Almeida Santos, e de que a exclusão do crime organizado (incluindo o narcotráfico) dos crimes a poderem ser objecto da jurisdição do Tribunal Penal Internacional é um exemplo paradigmático.
Deste modo, os projectos de lei do PCP são iniciativas positivas. O branqueamento de capitais é uma das grandes ameaças à democracia e à soberania e independência dos Estados e as associações criminosas que o consubstanciam vão fragilizando o poder político, cada vez mais condicionado pelo poder económico, por sua vez minado pelo peso crescente no circuito legal de negócios de somas fabulosas engendradas pelo narcotráfico e outras actividades criminosas. Observadores referem que na Federação Russa o peso da mafia atinge já os 70% da economia.
Por isso, a Comissão Europeia prepara a alteração da Directiva 91/308/CEE, que está na base da legislação portuguesa sobre a matéria em causa, de forma a apertar as malhas do mundo ligado ao branqueamento de capitais, na esteira, aliás, das preocupações da ONU, a qual, através do programa mundial contra o branqueamento de capitais, preconiza diversas medidas no cerco a este flagelo. Efectivamente, tanto o Conselho da União Europeia como o Parlamento Europeu têm apelado para a adopção de medidas adicionais destinadas a redobrar os esforços da União Europeia em matéria de combate ao branqueamento de capitais. Desde a adopção da Directiva, em 1991, tanto o risco de branqueamento de capitais como a resposta a esse risco têm vindo a evoluir. A Comissão considera, tal como o Parlamento Europeu e os Estados-membros, que a resposta da União Europeia deve igualmente, na fase actual, registar um novo impulso.
As principais alterações à Directiva de 1991 consistem no alargamento da proibição de branqueamento de capitais, por forma a abranger não só o tráfico de estupefacientes como também o crime organizado no seu conjunto, bem como na extensão das obrigações consignadas na Directiva a determinadas actividades e profissões não financeiras. É também necessária uma cooperação entre as autoridades nacionais e a Comissão na eventualidade de actividades ilegais que prejudiquem os interesses financeiros das Comunidades Europeias. Por último, tirar-se-á partido desta oportunidade para clarificar determinados aspectos da versão de 1991.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Entre as medidas subjacentes ao projecto de lei n.º 124/VIII destacaria as que se articulam com as limitações ao segredo bancário, nomeadamente o aditamento ao Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, uma disposição que afasta o segredo bancário e fiscal quando esteja em causa o inquérito, instrução ou julgamento do processo relativo ao branqueamento de capitais, dependendo esse afastamento unicamente de autorização ou ordem do juiz.
Uma decisão com importância para o tema subjacente decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/98. Na questão sub judice, respeitante à relação entre o dever de segredo comercial estatuído no artigo 43.º do Código Comercial e o artigo 519.º do Código de Processo Civil, que regula em termos mais exaustivos a relação segredo profissional/dever de colaboração com a justiça, afirma-se, no entanto, que se deverá sempre compatibilizar os interesses «à luz do princípio da prevalência do interesse preponderante».
Numa época de assumida globalização a evolução de ilícitos económicos, criminais ou não, dotados de características de extrema organização, tecnologicamente evoluídos e altamente premeditados, tornam a sua descoberta e análise extremamente difíceis, reforçando o dever geral de colaboração ou de informação perante as autoridades competentes para administrar justiça e dos órgãos de polícia criminal.
Princípios constitucionais de tutela efectiva, como sejam o dever de colaboração com a justiça, arquivo aberto, controlo jurisdicional da actividade da Administração ou igualdade perante os encargos públicos, deverão redundar numa clara derrogação aos deveres de sigilo que excepcionalmente venham a ser impostos e numa clara delimitação do que deve ser considerado confidencial.
Em termos globais, somos, por conseguinte, favoráveis à alteração que se pretende consagrar a nível do segredo bancário, de todas as suas vertentes e sequelas, porquanto, se se alargam, a nível nacional e internacional, os casos de colaboração ou de cooperação sobre matéria sigilosa entre entes públicos e mesmo privados, o dever constitucional de cooperação de todas as autoridades com os tribunais deve resultar num dever reforçado, que mal se compagina com a criação de uma vasta plêiade de situações em que seria lícito negar a colaboração com a Justiça.
Pensamos, contudo, que o legislador nacional só deverá legislar sobre este assunto após aprovação da directiva, que se prevê que o seja a breve trecho, e depois da decisão-quadro sobre branqueamento de capitais ter os seus contornos clarificados, sob pena das alterações propostas poderem ficar desfasadas ou aquém do que a União Europeia pretende implementar.
Relativamente ao projecto de lei n.º 123/VIII, o qual cria uma Comissão Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, independentemente do mérito que esta Comissão possa ter e do plano de acção delineado no projecto de articulado, julgamos que a criação da mesma se enquadra melhor numa resolução do Conselho de Ministros, dado que este tipo de opções se coaduna melhor com as competências de organização de cada ministério e respectivas políticas de actuação, concordando inteiramente com os argumentos a esse título já aduzidos pelo Sr. Ministro da Justiça.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quaisquer que sejam as medidas legislativas a tomar no campo da ilicitude que aqui discutimos e por mais profícua que seja a sua eficácia, trata-se de uma causa de dimensão planetária, cujas raízes são o espelho de uma crise civilizacional para cuja ultrapassagem não basta a bengala legislativa. Daí o relevo que concedi nesta intervenção à componente ideológica, atenta a fragmentação do sistema e a consequente fragmentação do sujeito, sistema que não apaga cumplicidades com as temáticas que hoje abordamos e sujeito que anda à deriva na resistência às mesmas. Se não concedermos a esta causa uma amplitude civilizacional, as medidas, aliás, positivas, sublinhe-se mais uma vez, constantes dos