I SÉRIE — NÚMERO 20
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de finanças regionais afectarão de forma diferente os madeirenses e os açorianos, e tanto uns como outros saberão porquê.
Pela nossa parte, rejeitamos essa lógica de que quem não está com Sócrates está com Jardim, ou viceversa, e deploramos vivamente que uma questão tão relevante como a das finanças das regiões autónomas possa servir de pretexto para guerrilhas, para manobras de baixa política, ou para criar divisões artificiais entre portugueses.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Orador: — O que hoje discutimos nesta Assembleia não é um diferendo entre o Eng.º Sócrates e o Dr.
Alberto João Jardim. Essa encenação serve a ambos para esconder o essencial. Enquanto o Eng.º Sócrates se apresenta como disciplinador implacável e o Dr. Jardim como vítima indefesa do centralismo, ficam por discutir as consequências concretas da proposta de lei do Governo para a vida das populações insulares e ficam por avaliar as responsabilidades de quem há 30 anos governa com maioria absoluta a Região Autónoma da Madeira.
Esta proposta não é contra o Dr. Jardim. É contra os povos das regiões autónomas e, de forma mais directa e imediata, contra o povo da Madeira.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Orador: — Para o Governo do Eng.º José Sócrates, também os povos das regiões autónomas são culpados da crise e têm de pagar a respectiva factura.
Para quem conhece a actuação deste Governo, era fatal como o destino que assim fosse. Se o equilíbrio das finanças públicas tem de ser feito à custa das autarquias, dos funcionários públicos, dos utentes do Serviço Nacional de Saúde, dos estudantes do ensino superior, dos utentes dos serviços públicos, dos consumidores de energia eléctrica, das populações do interior, dos reformados e dos deficientes, era inevitável que a factura da crise também chegasse à Madeira.
Mas também recusamos a ideia de que esta proposta beneficia o povo dos Açores à custa do povo da Madeira. Seria um logro pensar que a Região Autónoma dos Açores está a ser beneficiada pelo simples facto de não ser imediatamente prejudicada nas transferências financeiras do Estado para a Região. É um facto objectivo que a Madeira é directa e imediatamente prejudicada e os Açores não o são. Mas daí a podermos falar em benefício para os Açores vai uma grande distância.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Não só porque a situação ultraperiférica da Região Autónoma dos Açores e a sua especificidade insular justificam plenamente um acrescido esforço de solidariedade nacional, mas também porque uma lei de finanças regionais como esta, que representa um retrocesso no compromisso do Estado com o financiamento das regiões autónomas, pode lesar negativamente no imediato apenas uma delas, mas não deixará, a prazo, de afectar negativamente as duas.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Sendo claro que o nosso compromisso não é com o Governo da República, nem com o Governo Regional da Madeira, nem com o Governo Regional dos Açores, mas unicamente com o povo português, com a coesão social e com a solidariedade nacional, importa deixar muito claras as razões da nossa discordância com esta proposta de lei.
A primeira razão está na própria Constituição. É tarefa fundamental do Estado, segundo o artigo 9.º da Constituição da República, promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. E, nos termos do artigo 229.º, os órgãos de soberania asseguram, em cooperação com os órgãos de governo próprio das regiões, o desenvolvimento económico e social destas, visando, em especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade.
Por outro lado, é a própria Constituição que impõe o respeito pelo estatuto político-administrativo das regiões autónomas. Como escreve o Prof. Gomes Canotilho, «os estatutos ocupam uma posição hierárquica privilegiada no plano da hierarquia das fontes. Embora não tenham valor constitucional, eles devem considerar-se como leis reforçadas com valor paramétrico relativamente aos diplomas legislativos regionais e às restantes leis da República. Neste sentido, já se chamou aos estatutos a mais reforçada das leis ordinárias reforçadas».
Ora, é inquestionável que esta proposta de lei contraria frontalmente o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, pelo menos em dois pontos, com consequências muito relevantes.