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29 | I Série - Número: 099 | 28 de Junho de 2007

É seguramente um exagero denominar assim as alterações propostas. «Mais as vozes do que as nozes»! Houve o abandono formal dos conceitos de «Constituição» e «constitucional». Reformulou-se o artigo imperativo da norma que estabelecia o primado do direito comunitário sobre o nacional — a norma que levou PSD e PS, na Revisão Constitucional de 2004, «mais papistas que o papa», a um intempestivo aditamento de novo número ao artigo 8.º da Constituição da República para acolher o que era ainda um mero projecto! O Ministro dos Negócios Estrangeiros foi baptizado de «Alto Representante da União», e houve mais algumas, poucas, mudanças.
Fruto da luta dos povos e também das contradições internas, os estados-maiores políticos da União Europeia viram-se obrigados a maquilhar/recauchutar o dito Tratado Constitucional, expressa e explicitamente para fugirem a uma ratificação por referendo. No fundo, concretizando o que dizia Romano Prodi, na sua recente visita a Portugal: «Pode haver um problema de designação formal, mas não de substância (…), podemos chamar-lhe constituição ou tratado. Isso não importa», pelo que apelou, em coerência, ao «trabalho criativo» do Governo PS. Se não foi o Governo português que o fez, alguém o «criou» por ele! Ou, no fundo, respondendo também à pergunta n.º 3 da Chanceler alemã, Presidente em exercício da UE: «utilização de terminologia diferente, sem todavia modificar a substância jurídica» da dita Constituição.
Não deixa de ser extraordinário que quem passa a vida a dar lições de democracia a outros povos e países assuma assim, com arrogância e desfaçatez, um descarado desrespeito pela vontade democraticamente expressa pelos povos francês e holandês. Como escrevia um conhecido comentador, «os referendos são perigosos»! E, assim, ultrapassada a fase da repetição de referendos (Dinamarca e Tratado Maastricht, Irlanda e Tratado de Nice) e até acertar a vontade do povo eleitor com a vontade dos órgãos comunitários, ensaia-se uma nova saída. Por exemplo, um mini-tratado, como foi imediatamente sugerido após os «não» da França e da Holanda, e agora se projecta «susceptível de ser ratificado unicamente pelos parlamentos nacionais, sem recurso a referendos». E, assim, se aperfeiçoa, segundo alguns, o funcionamento democrático da União Europeia! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Presidência portuguesa da União Europeia seria uma ocasião óptima para uma reflexão séria dos órgãos comunitários sobre a brutal contradição entre alguns dos seus objectivos, há muito afixados em diversos e sucessivos tratados, e as consequências das suas principais orientações e políticas.
Poder-se-ia partir de outros exemplos, mas, sendo a Presidência do Governo português durante os próximos seis meses, seria extremamente interessante e importante para o País e para a Europa confrontar as causas dos nossos graves problemas económicos e sociais – a excepção são os sucessos da especulação bolsista e os obscenos lucros e taxas de lucro dos grupos económicos e financeiros – e essas orientações e políticas comunitárias.
Sendo que há culpas, bem conhecidas, das políticas internas de direita de sucessivos governos do PS e do PSD/CDS-PP, das quais se destaca o apoio e cumplicidade com aquelas mesmas políticas e orientações, como se explica que, apesar do objectivo da coesão económica e social que a União Europeia diz perseguir e promover, Portugal se mantenha persistentemente, há cinco anos, em rota de divergência de crescimento económico e tudo indicia que assim vai permanecer nos próximos anos?! E, naturalmente, interrogamo-nos se tal situação nada tem a ver com o Pacto de Estabilidade, com as políticas do Banco Central Europeu, com a PAC e a política comum de pescas, com as orientações do mais estrito neoliberalismo, de liberalização de mercados públicos e privatizações de empresas e de serviços públicos (Bolkestein), com as políticas comerciais na Organização Mundial de Comércio e nas associações bilaterais, com o desmantelamento em curso do «modelo social europeu», de que faz parte o golpe de morte da flexissegurança, de que o Sr. Primeiro-Ministro não quer ouvir falar.
Mas que modelo social europeu será este de fala o Sr. Primeiro-Ministro em que a liberdade de despedimento será lei e o direito ao trabalho estável e de qualidade será postergado, um objectivo que vai sendo classificado de absurdo ou utópico, fora da modernidade neoliberal que nos querem impor?! Esta reflexão deveria estar no centro do Programa da Presidência portuguesa. Um programa, certamente, não fechado sobre Portugal mas, sim, um programa que, a partir do concreto nacional, suportasse o necessário empenhamento do Estado português na mudança de rumo da União Europeia, por uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, de progresso social e de paz, o que nunca acontecerá com um tratado como o que agora se anuncia.
Um sublinhado final: o PCP considera completamente inaceitável que se avance para a ratificação de um tratado como o referido sem que haja referendos juridicamente vinculativos, inclusive em Portugal. E não apenas para o cumprimento do Programa Eleitoral do PS, que nenhuma maquilhagem do tratado poderá evitar, mas pela necessidade absoluta de que o povo português se pronuncie clara e explicitamente sobre um processo em que se joga o seu futuro colectivo, como País soberano e independente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Saraiva.