32 | I Série - Número: 029 | 21 de Dezembro de 2007
reconhecimento explícito da dupla natureza da União Europeia, uma união de Estados e de cidadãos em plano de igualdade. Mantendo o respeito pela identidade nacional, a cidadania europeia torna-se complementar desta, não a substituindo.
Sai bastante ampliado o papel dos Parlamentos nacionais, que passam a ter uma intervenção fundamental no processo de decisão ao poderem accionar o mecanismo de alerta precoce sempre que considerem estarem a ser violados os princípios de subsidiariedade e da proporcionalidade. Uma palavra de apreço ao Presidente da Comissão Europeia por, desde o início do seu mandato, ter voluntariamente imposto este procedimento, mesmo sem ainda ter a obrigação de o fazer. O Parlamento Europeu é também valorizado, ao alargar-se amplamente o campo de aplicação da co-decisão.
A nova regra de votação no Conselho passará a ser, a partir de 2014 (ou 2017), por maioria qualificada, que obedecerá aos requisitos de uma dupla maioria de 55% dos Estados-membros (com um mínimo de quatro) e representando 65% da população. Note-se, no entanto, que o voto por unanimidade continua a ser necessário nas áreas da fiscalidade, recursos próprios, quadros financeiros plurianuais, segurança social, política externa e defesa.
O novo Tratado reforça o princípio da coesão económica, social e territorial, já que sem solidariedade a própria União Europeia não faz sentido; enfatiza o estatuto das regiões ultraperiféricas, reconhecendo a sua especificidade; atribui personalidade jurídica única à União, o que reforça o seu poder de negociação na cena internacional; torna mais coerente a acção externa da União nos vectores políticos, humanitários ou económicos; e cria uma cláusula de solidariedade entre os Estados-membros em caso de ataque terrorista ou catástrofe natural.
A Carta dos Direitos Fundamentais assume força jurídica vinculativa. Os seus 54 artigos reflectem os valores da dignidade, liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça por que nos regemos. Confirma os direitos económicos e sociais, o direito à propriedade, os direitos dos trabalhadores e dos parceiros sociais, da segurança social. Mas também consagra os chamados direitos da terceira geração, da bioética, da protecção de dados e da boa governança. A União Europeia deve orgulhar-se de ter o primeiro documento à escala internacional juridicamente vinculativo que congrega, num único texto submetido ao mesmo mecanismo de controlo jurisdicional, os direitos políticos, cívicos, económicos e sociais. Valores, esses, que queremos promover à escala mundial.
O modelo social europeu é amplamente reflectido em todo o Tratado de Lisboa. A política social passa a competência partilhada, o pleno emprego e o progresso social fazem parte dos objectivos da União, o Tratado contem uma cláusula social que obriga a que as questões sociais sejam sempre tidas em conta, horizontalmente, quando da definição e aplicação de todas as políticas. O Tratado reconhece, ainda, os serviços públicos enquanto instrumentos de coesão social e regional.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O ano de 2008 abre uma nova etapa na construção da União Europeia. Assistimos neste semestre a uma manifestação colectiva inequívoca dos 27 Estados-membros de prosseguir este aliciante projecto. Um processo que se quer dinâmico, não estático, que tem de ser gradual e participado para ser bem compreendido, aceite e apoiado pelos cidadãos.
Dotemos, pois, a União dos novos instrumentos de que necessita para concretizar estes objectivos e esperemos que o Governo tenha a coragem de assumir as reformas necessárias para que Portugal retome o caminho da convergência de que tanto necessitamos!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Desde o virar do século que a construção de uma Europa cada vez mais liberal avança a todo o vapor, permanentemente anunciada como a única forma de resolver o recorrente «impasse institucional» em que, garantem-nos, a Europa terá mergulhado.
Foi assim em Nice. Foi assim com o defunto Tratado Constitucional. É assim que os seus defensores têm defendido a entrada em vigor do tratado reformador ou de Lisboa, dois novos nomes para um texto antigo e já conhecido desde o Tratado Constitucional.
A assinatura deste documento foi o momento central da Presidência portuguesa, mas arrisca-se a cavar ainda mais fundo o alheamento e a crise de confiança com que os europeus olham para este processo de constituição europeia e para as políticas emanadas de Bruxelas. Depois do chumbo do Tratado Constitucional, lá temos o mesmo conteúdo, redigido de forma esdrúxula, a servir de pretexto para evitar nova consulta popular. Tudo foi feito para que os europeus não estragassem outra vez a festa, como aconteceu há dois anos com a França e a Holanda.
Nos últimos tempos, crescem as vozes no Partido Socialista que defendem a legitimidade da ratificação parlamentar e a representatividade deste Parlamento. Mas não nos enganemos! Representar o povo não é o mesmo que nos substituirmos à livre expressão da sua vontade. Esta não é uma questão entre duas formas de legitimação política sobre as quais se tenha de estabelecer uma hierarquia de valores. É uma questão entre