29 | I Série - Número: 035 | 17 de Janeiro de 2008
portugueses e com os seus direitos.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo do PS, visivelmente em crise de argumentário para justificar a sua proibição do referendo, veio a esta Assembleia, através do PrimeiroMinistro, tentar explicar — e disse-o sem corar — que, afinal, o compromisso de o realizar só valia para o Tratado Constitucional e que o Tratado de Lisboa seria outra coisa de natureza diferente.
Haveria, desde logo, que perguntar ao Eng.º Sócrates, se assim fosse, por que é que ele não comunicou aos portugueses logo em Julho do ano passado, quando ficou claro o sentido a imprimir ao novo Tratado, que o referendo, afinal, se deixava de justificar.
Por que é que, depois disso, em entrevistas televisivas e declarações públicas, voltou a reafirmar o compromisso de realizar o referendo? Estava, então, a enganar os portugueses ou está a enganá-los agora?
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — A desculpa é lamentavelmente de uma total indigência e, ela sim, é tão pouco séria que tem sido atacada mesmo pelo geral dos opositores do referendo. Na realidade, o chamado Tratado de Lisboa consagra um truque formal: recupera e actualiza o essencial do articulado do Tratado Constitucional, emendando os textos dos tratados anteriores (de Roma e de Maastricht, sobretudo) que recebem novas designações. Ou seja, salva o Tratado Constitucional, distribuindo o seu normativo por emendas aos tratados anteriores e restringindo a sua carga simbólica. Mas tudo o que nele era essencial no plano jurídico e institucional, nos processos de decisão, no plano económico e financeiro, nos direitos sociais, na política externa e de defesa se mantém, por vezes com pequenos ajustamentos, outras vezes com soluções, a nosso ver até mais gravosas.
Acaso se abandonou o princípio do primado do direito comunitário sobre o dos Estados-membros, apesar de ele não ter sido explicitamente inscrito no Tratado rectificativo de Lisboa? Uma declaração anexa ao Tratado reafirma tal primazia como jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Claro!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — E pergunto: sobre esta situação, obviamente restritiva da soberania do País, o País não tem de ser ouvido? Acaso desaparece do Tratado de Lisboa a possibilidade de se constituir de facto, na União Europeia, um directório de três ou quatro potências principais que, mercê do critério da «dupla maioria» e do sistema das «minorias de bloqueio», passam a controlar as maiorias qualificadas (método de decisão que se tornará ordinário em Conselho) e a monopolizar as possibilidades de veto ao que não lhes interessa? Não desaparece.
Acaso se reviu a consagração pelo Tribunal Constitucional de uma Europa a várias velocidades através das chamadas «cooperações reforçadas»? Uma Europa onde os mais fortes podem determinar as áreas e os ritmos de imposição da sua hegemonia? Não se reviu.
Acaso a chamada Carta dos Direitos Fundamentais (objecto de uma declaração exterior ao texto do Tratado) deixou de ser um compromisso praticamente inócuo feito pelo menor denominador comum em termos de direitos sociais e políticos, que, aliás, convida à sua regressão, e de cujo cumprimento está excluída a Grã-Bretanha? Nada mudou.
Acaso se recuou na mercantilização dos serviços públicos? Acaso a flexissegurança deixou de ser uma espécie de constituição social subliminar desta União Europeia dos Governos? Não deixou.
Acaso se alterou o comando central das finanças públicas e da moeda dos Estados-membros — e, portanto, das suas políticas económicas e orçamentais — pelo Banco Central Europeu, à luz dos critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento e de estratégias neoliberais de acumulação e de crescimento? Nada se alterou.
Acaso passou a haver Europa também para a saúde, para o emprego, para a formação profissional, para a segurança social? Não aconteceu.
Acaso se alterou a política de incentivo ao intervencionismo militar e de armamento decidida no Tratado Constitucional, em que a Europa se tende a constituir num poder militar apendicular da NATO e da estratégia imperial dos Estados Unidos? Tudo se manteve.
Independentemente do artifício formal adoptado, são estes os conteúdos estruturantes da União Europeia do futuro que estão em causa. E é sobre eles, Sr. Primeiro-Ministro, que é preciso saber se as portuguesas e os portugueses têm ou não o direito de se pronunciar, neste caso concreto, pela única forma decisória ao seu alcance: o referendo.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!