30 | I Série - Número: 035 | 17 de Janeiro de 2008
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Invoca, ainda, o Primeiro-Ministro o efeito de carambola de um referendo em Portugal sobre a convocatória de outros cujos resultados podiam implicar o impasse político da União.
Mas, então, Sr. Primeiro-Ministro, pergunto: a lição que os Governos europeus tiraram dos chumbos francês e holandês foi a de inventar um expediente para eliminar a consulta popular? A resposta dos Governos dos 27 ao risco de perder as votações referendárias é impedir os cidadãos de votar? Que União Europeia é esta cujo acto refundacional assenta num pacto objectivo dos Governos para afastar os cidadãos de se pronunciarem sobre o seu destino? Também se argumentou das bandas do Governo que o referendo seria dispensável, porque de antemão se sabia como os portugueses apreciam a Europa. Ou que, o que só aparentemente é contraditório, precisamente por não saberem nada do que estava em causa, é que não se devia permitir o referendo. No primeiro caso (o de todos saberem que eles queriam a Europa), sempre haveria que apurar por que é que, então, se começou por anunciar o referendo. Sendo que os dois argumentos pressupõem a existência de uma espécie de ente comunitário dotado do espantoso poder, não se sabe conferido por quem, de decidir quando os povos merecem ou não ser por ele consultados. Uma espécie de regresso à Europa do papado… Srs. Governantes, Sr.as e Srs. Deputados do PS: Bem sei que vos apresentais a este debate «grávidos» do poder do Estado de que dispondes. Pois, usai-o.
Bem sei que tendes, ainda por cima aliados ao PSD, uma larga maioria de lugares nesta Câmara. Usai-a.
Bem sei que possuis insondáveis faculdades de inspirar quase tudo o que se há-de dizer e escrever nos media sobre este assunto.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Usai o vosso poder.
Será a razão da vossa força contra a força da nossa razão.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Em nome dela, cabe-nos propor a esta Assembleia da República que cumpra o seu dever, votando a censura ao Governo e garantindo ao povo português o direito a ter voz sobre o futuro da Europa.
Aplausos do BE.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Convocados que fomos para discutir e votar uma moção de censura ao Governo, centrada no facto da fuga e do rasgar de um compromisso do PS e do Governo assumido perante o povo português, importa sublinhar que esse enfoque não esbate uma consideração crítica e de censura a outras promessas não cumpridas que, em tempos de campanha eleitoral e em declarações programáticas, tanto jeito deram para conseguir votos!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Promessas e compromissos que agora o Governo afirma terem sido só objectivos não concretizados pela força das circunstâncias.
Não! Não foram as circunstâncias! Foram as opções políticas conscientemente assumidas.
Nos impostos, na repartição da riqueza, em relação ao desemprego, às injustiças e às desigualdades sociais e no Código do Trabalho e dos direitos dos trabalhadores, o Governo não se limita a baixar as bandeiras eleitorais; age e governa, optando por se colocar do lado dos poderosos e dos privilegiados, em desfavor da maioria dos portugueses e, arrisco em dizer, da maioria dos que lhe deram o voto!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Mas do que estamos hoje a tratar é da negação da realização do referendo sobre o Tratado baptizado de Lisboa, clonado do derrotado Tratado Constitucional.
Com uma argumentação insustentável, afirmou o Sr. Primeiro-Ministro que a recusa ao referendo se deve ao facto de que antes seria o Tratado Constitucional e agora é o Tratado de Lisboa, fugindo à comparação da matriz e dos conteúdos das duas criaturas.
Mas, se tinha tal entendimento, por que manteve o tabu até à última?