I SÉRIE — NÚMERO 23
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O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, começo por saudar o Sr. Deputado Bruno Dias
por ter trazido este importante assunto para discussão numa altura em que o Governo se prepara para vender
uma boa parcela da sua soberania e para largar mão de um serviço que é das pessoas e que delas devia
continuar a ser.
Os Correios de Portugal constituem, de facto, um exemplo de prestação de bons serviços aos cidadãos,
com uma qualidade que é reconhecida, tanto a nível nacional como a nível internacional e, apesar da má
administração do serviço público dos Correios, que tem de certa forma vindo a fragilizar a qualidade do serviço
prestado aos portugueses, mas cuja responsabilidade é dos últimos conselhos de administração, e, sobretudo,
de quem os nomeou, o serviço público postal prestado pelos CTT, pelo Estado, continua a ser o garante do
acesso por parte de todos os cidadãos em igualdade e a preços acessíveis a este importante serviço público.
Apesar desta gestão, esta empresa pública continua a ser um contribuinte líquido em termos de receita
para o Estado. Portanto, perante este factos, bem podemos questionar os motivos que levam o Governo a
pretender privatizar uma empresa que, para além de garantir um serviço público de forma exemplar aos
cidadãos, ainda representa uma fonte de receitas para o Estado. Não se compreende!
O Governo diz que o serviço público será assegurado, mas nós sabemos quais são as prioridades dos
privados e também sabemos que, nesses cálculos, o serviço público acaba por ser reduzido a um meio para
potenciar o lucro dos acionistas. Aliás, basta olhar para ver o que se passou na Holanda, onde, após a
privatização do serviço postal, o serviço público ficou num estado lamentável, ao ponto de o próprio Governo
holandês ter necessidade de ir pedir contas aos privados e de, depois, ter sido confrontado com a resposta
«se querem um serviço público melhor têm de pagá-lo». Naturalmente que corremos o mesmo risco.
Sr. Deputado Bruno Dias, o Governo, nomeadamente o Sr. Secretário de Estado Sérgio Monteiro, diz que
os portugueses vão continuar com a mesma qualidade de serviço público e que os carteiros vão continuar a
bater à porta dos portugueses. Vai ser uma maravilha, na perspetiva do Governo, mas nós achamos que não
vai ser nada assim. Os carteiros até podem bater à porta dos portugueses, mas vão fazê-lo, certamente, uma
vez por semana e, noutros casos até, com menos frequência.
Portanto, a nosso ver, há fortes motivos para estarmos preocupados com a qualidade do serviço prestado
aos portugueses após a privatização dos CTT, pelo que eu queria saber se o Sr. Deputado Bruno Dias
também partilha desta minha leitura.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, que optou por responder
individualmente a cada um dos pedidos de esclarecimento.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, agradeço as questões que
me colocou e as palavras que dirigiu ao Plenário.
É uma evidência absolutamente indesmentível a importância que o serviço público postal tem para os
cidadãos, para a vida concreta de milhões de pessoas e aquilo a que temos vindo a assistir, ou seja, à
degradação da qualidade do serviço postal neste País, ao longo destes anos, tem sido, exatamente, o preço a
pagar pela preparação para esta privatização que está anunciada para esta semana.
Portanto, apesar do esforço enorme dos trabalhadores dos Correios, da sua qualidade, da sua tentativa de
garantir, da melhor forma possível, um serviço público postal de qualidade, aquilo a que temos vindo a assistir
é às perdas que já se têm vindo a verificar, não nas estatísticas, porque essas facilmente podem ser
corrigidas, mas na vida concreta das pessoas.
O Sr. Deputado citou o caso da Holanda, onde já estão a ser sentidas as consequências e as implicações
da liberalização do serviço postal e da privatização e eu acrescentaria ainda mais outros dois exemplos,
nomeadamente o mais recente, o caso da privatização dos Royal Mail, na Grã-Bretanha, serviço que veio a
ser privatizado numa operação muito semelhante a esta, num processo que passou pelo encerramento de
serviços e pelo abandono de populações por parte daquele serviço público postal, que era um dos mais
conceituados do mundo, e — pasme-se! — a avaliação da empresa, meses depois da privatização, era muito
acima do preço de venda!
Mas posso recordar também o recente caso da Argentina, país que, depois da privatização dos Correios,
está agora a tentar reconstituir um serviço público postal que foi destruído ao longo dos anos.