I SÉRIE — NÚMERO 40
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Estamos perante uma mistura explosiva de obsessão ideológica, incompetência prática e entorses
procedimentais. O Ministro não pode deixar de se explicar aos portugueses.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, este novelo emaranhado em torno da Fundação para a
Ciência e Tecnologia é apenas um sintoma de que algo de profundamente grave se está a passar na ciência
em Portugal.
Nos últimos 15 anos, a conjunção de políticas determinadas com o esforço das empresas permitiu que o
nosso País tenha dado um significativo salto qualitativo nos seus indicadores de inovação e ciência. Nestes
dois domínios, deixámos os últimos lugares do pelotão europeu para nos posicionarmos na média do quadro
da OCDE, quer em termos de investimento, quer em termos de resultados.
Portugal tornou-se o país do Sul da Europa com os melhores indicadores em ciência, tecnologia e
inovação. Ora, o capital humano altamente qualificado de que dispomos constitui o mais forte antídoto
estrutural contra a crise. É com esse capital humano qualificado que podíamos, e ainda podemos
parcialmente, contar para voltar a crescer e voltar a gerar emprego nos setores de ponta e nos setores
tradicionais, para equilibrar as contas públicas, para restabelecer a saúde da economia e para assegurar a
sustentabilidade do modelo social.
Mas, infelizmente, Sr. Deputado Luís Montenegro, não foi essa a escolha do Governo. Com este Governo,
o investimento em ciência em Portugal regrediu 15 anos. Voltámos ao nível de onde partimos para chegar até
aqui. Os senhores estão a destruir um património de valor incomensurável.
Passos Coelho e Nuno Crato, ao mesmo tempo que, impudicamente, se congratulam com os sucessos
científicos e empresariais que o investimento feito no passado tem permitido a Portugal alcançar hoje,
decidiram arrasar orçamentalmente a ciência e a inovação, «convidando» os jovens investigadores e as
empresas inovadoras a emigrarem do nosso território e a criarem valor fora de Portugal.
E o problema, Srs. Deputados, é que uma base científica e tecnológica nacional leva décadas a construir
mas pode ser rapidamente destruída por uma obsessão ideológica distorcida.
A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Muito bem!
O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — E é este o risco que corremos, não por devaneio ou incompetência, mas
por escolha ideológica trágica e deliberada.
O modelo de ajustamento económico de que os senhores se vangloriam e que o Governo privilegia não
aposta no conhecimento nem aposta no valor acrescentado. Pelo contrário, aposta no empobrecimento, no
posicionamento da economia portuguesa como replicadora e fornecedora de componentes e não como uma
economia inovadora e posicionada na fronteira tecnológica nalguns setores.
Os senhores escolheram travar a batalha titânica da concorrência no mundo global usando como chamariz
a precaridade e a mão de obra barata, em vez de usarem o investimento que fizemos ao longo de anos na
ciência, na investigação e na inovação.
Os bons resultados que conseguimos no plano científico são fruto de investimentos estratégicos
continuados e persistentes.
O desinvestimento que este Governo está a fazer no ensino superior e no sistema tecnológico e científico
tem, é verdade, um efeito imediato na vida de muitos jovens qualificados que se veem forçados a deixar o seu
País, mas demorará algum tempo a matar a dinâmica científica que conseguimos gerar. Mas quando essa
dinâmica for morta, nessa altura viveremos, como já o disse anteriormente, um «inverno científico», e este
Governo, esteja onde estiver, será responsabilizado por isso. Porém, o problema é que o preço serão todos os
portugueses a pagá-lo. E não será um preço pequeno.
É por isso que a sociedade portuguesa tem de indignar-se. É por isto que o Governo tem de ter — e espero
que a tenha aqui, amanhã — a lucidez de recuar.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Tocou o alarme na ciência em Portugal. Temos de contrapor, à cegueira
ideológica como escolha, a lucidez de quem tem uma visão e um desígnio para este País. Precisamos de um
novo rumo para Portugal.