I SÉRIE — NÚMERO 19
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Percebo a necessidade de não deixar morrer o setor do turismo, mas temos de convir que, deste ponto de
vista, esta medida é simultaneamente ineficiente e, sobretudo, insuficiente e, muito mais do que isto, é também
uma medida absolutamente incoerente.
Sr.as e Srs. Deputados, vivemos num País em que é possível ter um fim de semana de Fórmula 1, com
ajuntamentos de dezenas de milhares de pessoas vindas do País inteiro, de todos os concelhos e distritos, e
até de fora do País, e, no fim de semana a seguir, logo no fim de semana a seguir, todas as pessoas estarem
proibidas de se deslocar, nem que seja ao concelho do lado, para honrarem os seus mortos.
Estes contrastes mostram a falta de preparação, mas, sobretudo, a falta de bom senso do Governo, que
parece apostado numa política de sinais e de abanões completamente errática e infantilizadora dos cidadãos. E
é esta política de excessos e esta ausência de bom senso que tem consequências que serão desastrosas,
infelizmente, em simultâneo, para a saúde e para a economia, no pior dos dois mundos.
É assim que este Orçamento acha normal criar uma vantagem fiscal para as pessoas irem a restaurantes ou
a espetáculos ao mesmo tempo que vai cancelar a promessa de alívio fiscal para as famílias que escolhem e
para as famílias que são obrigadas, pelo próprio Estado e pelas necessidades de saúde pública, a ficar em casa,
ou para as famílias que se veem aflitas para ter dinheiro, sequer, para irem ao supermercado, quanto mais para
irem a hotéis. É um contraste, Sr.as e Srs. Deputados, que não se percebe.
É também, no meio de uma pandemia, um Orçamento de enorme insensibilidade social. Em julho, havia já
quase menos 1 milhão de consultas, contando presenciais e não presenciais, e menos 99 000 cirurgias. A
alternativa, aqui, é muito clara: deixar os doentes à espera ou aproveitar a capacidade que já existe para os
tratar nos setores solidário e privado. A escolha dos partidos da geringonça é, também ela, infelizmente, muito
clara: deixam, sim, os doentes à espera e, em troca, preservam os seus preconceitos.
Aplausos do CDS-PP.
As consequências são de vida e de morte para quem precisa. Não conheço maior insensibilidade social e
até humanitária do que esta.
É por tudo isto que este Orçamento só pode merecer um voto: um voto que defenda estes doentes que
esperam e desesperam; um voto que lute, sim, pelos trabalhadores e pelas empresas que todos os dias se
esforçam para conseguirem ganhar a vida, num cenário que é extraordinariamente difícil; e um voto que não
desista, sobretudo, de um futuro melhor para Portugal. Esse voto é um voto contra o Orçamento.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PCP. Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Membros do Governo: A questão não está em saber se há ou não Orçamento para 2021, mas, sim, se o próximo Orçamento, bem como
outras medidas e opções que têm de ser tomadas respondem, de facto, à resolução de problemas estruturais
que se arrastam há anos e aos novos problemas determinados pelo impacto da epidemia.
O exemplo do Orçamento Suplementar mostra bem que é o conteúdo do Orçamento aquilo que
verdadeiramente importa.
Em vez de dar resposta às necessidades do povo e do País, o Orçamento Suplementar chancelou os cortes
nos salários e determinou medidas de privilégio aos grupos económicos. Os resultados estão à vista, com o
agravamento de todos os problemas que já em julho se identificavam e que teria sido possível travar.
Chegados aqui, é preciso que se passe das palavras aos atos e que a invocação da gravidade da situação
tenha consequência na resposta global aos problemas nacionais, dentro e fora do Orçamento do Estado.
Já percebemos que PSD, CDS e os seus sucedâneos mais reacionários procuram cavalgar a situação de
crise para recuperar toda a tralha ideológica com que justificaram durante anos a política de assalto aos direitos,
aos salários, às pensões, às condições de vida dos trabalhadores e do povo e aos recursos públicos, incluindo
ao orçamento do Serviço Nacional de Saúde.