4 DE MARÇO DE 2021
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Conhecida também como o «Cabo Esquecido», a região carece de infraestruturas e, sem a presença do
Estado, as populações sobrevivem como podem. Moçambique é dos países mais pobres do mundo e Cabo
Delgado a sua província mais carente.
Desde há muito que as organizações não-governamentais para o desenvolvimento (ONGD) têm vindo a
desenvolver ações na região. Aldeias, casas, escolas, igrejas, mesquitas, centros médicos, distribuição de
alfaias agrícolas, sementes e formação em técnicas agrícolas, entre outras atividades, foram sendo
implementadas na região. Segundo o último relatório da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância),
de há uns anos, os níveis de pobreza e de escolaridade tinham vindo a aumentar substancialmente.
No entanto, desde 2017 que um grupo de insurgentes, forças mercenárias e o Exército moçambicano se
digladiam num conflito sem fim à vista, com quase 2000 mortos, mais de 500 mil pessoas deslocadas, das quais
250 mil são crianças.
Este drama ocorre num remoto canto do mundo que de pobre nada tem: as maiores jazidas de gás natural
situam-se a norte da província. As multinacionais preparam já a sua exploração e extração para a qual não
podem contar com os trabalhadores locais por não terem as qualificações necessárias.
Se a História não se repete, poderemos dizer o mesmo dos erros? Tudo indica que não. Riquezas naturais
valiosas para o mundo desenvolvido são cobiçadas vorazmente, sem que nada seja devolvido às populações
locais, sobretudo aos mais jovens, desesperançados numa vida melhor. Não há investimentos sociais e em
infraestruturas, a corrupção abunda, a riqueza concentra-se nas elites locais ligadas ao poder central e o
descontentamento em relação ao Governo é crescente.
Podemos ainda dizer que é surpreendente que os jovens adiram aos radicalismos religiosos que se estão a
implantar na região a partir da Tanzânia? A resposta é «não»!
Os ataques continuam neste momento. Pessoas morrem, vivem no desespero e na violência. A piorar a
situação, o Bloco de Esquerda sabe que a ajuda humanitária que consegue chegar aos acampamentos, em
Pemba, a capital, não está organizada. Ninguém sabe quem distribui nem quem recebe e o mercado negro
floresce. É a descoordenação total e o Governo moçambicano também não está a ser capaz de resolver.
O Sr. Ministro está incumbido de liderar a missão da União Europeia em Moçambique. Sendo a formação
militar do Exército moçambicano importante, não resolve a questão da crise humanitária.
Perante a circunstância histórica de Portugal presidir ao Conselho Europeu, está disponível para diligenciar
e liderar os esforços multilaterais com vista a contribuir para a resolução das razões estruturais que estão na
origem do conflito, começando por garantir que a ajuda humanitária chega às pessoas de Cabo Delgado?
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios
Estrangeiros.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada, permita-me que
comece por delimitar o espaço da minha resposta de duas maneiras.
Em primeiro lugar, lembrando que reuni à porta fechada com a Comissão de Negócios Estrangeiros e
Comunidades Portuguesas, no passado dia 17 de fevereiro, exatamente para podermos, em conjunto, abordar
todos os temas que naturalmente não podem ser abordados senão com reserva.
Em segundo lugar, do mesmo modo que eu não gostaria que no Parlamento em Maputo, na Assembleia
Nacional, a minha colega Ministra dos Negócios Estrangeiros participasse num debate em que os Srs.
Deputados se referissem ao Governo português nos termos em que, legitimamente, a Sr.ª Deputada se referiu,
não irei entrar por esse tipo de considerações.
Portanto, vou centrar-me num dos pontos que a Sr.ª Deputada mencionou e em que tem toda a razão, que
é o da importância de ter uma resposta que não seja exclusivamente securitária aos problemas vividos em Cabo
Delgado.
Os problemas vividos em Cabo Delgado não se equivalem. Não se trata de uma digladiação entre forças
insurgentes, terroristas ou como lhes quiser chamar e as forças governamentais. É mesmo uma rede terrorista
internacional que invade populações, viola mulheres, decapita pessoas e força à fuga de populações inteiras. É
disso que estamos a falar.