I SÉRIE — NÚMERO 64
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escravo e de máfias ligadas ao tráfico de seres humanos. Não é coisa pouca o que se passa e ninguém aqui
tem o direito de fechar os olhos.
Este é um problema não apenas de direitos humanos — e, se fosse, já era suficientemente grave —, mas
também ambiental, complicado. Lembro que, em 2011, quando foi feito o Plano de Ordenamento do Parque
Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina, o Bloco de Esquerda, logo na altura, afirmou que a
política que estava a ser levada a cabo, de acabar com a exploração extensiva, de afastar moradores e
povoação, para dar lugar a uma produção intensiva, iria criar problemas graves, tanto do ponto de vista
ambiental como do ponto de vista social.
Mas, na verdade, PS, PSD e CDS estiveram de acordo em que naquela região devia existir produção
intensiva e fecharam os olhos tanto aos problemas ambientais como aos problemas de direitos humanos.
As estufas foram crescendo e os problemas foram-se agravando. Em 2015, com as associações
ambientais e as associações de imigrantes alertando sistematicamente para todos os problemas e com base
nos relatórios da Polícia Judiciária e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Bloco de Esquerda apresentou
uma proposta no Parlamento sobre o trabalho forçado, para responsabilizar toda a cadeia pelo abuso dos
direitos humanos.
O PS acompanhou-nos, nessa altura, e fizemos uma lei para combater o trabalho forçado. Essa lei, de
2016, tem tido, sabemos, dificuldades de aplicação, desde logo porque, para conseguirmos processar toda a
cadeia que ganha dinheiro à conta da exploração daqueles trabalhadores, precisamos, primeiro, de condenar
a empresa que os colocou naquela circunstância. Porém, aquelas são empresas que se formam na hora,
esfumam-se num minuto e, depois, nunca são condenadas. Por isso, queremos melhorar a lei e queremos
mais fiscalização.
Mas, como digo, aqui, no Parlamento, já se discutia, porque já se sabia, que havia trabalho forçado. Este
continua a aumentar e a fiscalização aumentou muito pouco.
Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.
Em 2018, Capoulas Santos, então Ministro da Agricultura, decide fazer um despacho em que diz que as
estufas podem crescer sem avaliação de impacte ambiental. E as estufas continuaram a crescer. Continuaram
a crescer as estufas e continuou a crescer o número de pessoas a trabalhar sem nenhuma condição.
Em 2019, o Governo faz um despacho para legalizar o facto de as pessoas estarem em contentores. Não
falarei agora do que disse o Bloco de Esquerda na altura, porque também falei sobre isso, mas vou citar
Helena Roseta, Deputada eleita pelo Partido Socialista, que disse o seguinte: «Os contentores são agora
equiparados a estruturas complementares da atividade agrícola, como se a habitação para os trabalhadores
fosse a mesma coisa do que o armazenamento de alfaias agrícolas.» E dizia mais: «Meter 16 pessoas em
quatro quartos viola o mínimo de privacidade individual que a Constituição e a lei impõem.» Acrescentava
mesmo, e com toda a razão, o seguinte: «Estamos a assistir à institucionalização de uma espécie de campo
de refugiados para trabalhadores agrícolas estrangeiros no Alentejo.» Tinha toda a razão!
E a questão é que, se já sabíamos que há um enorme problema ambiental e de direitos humanos no
Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina com esta produção intensiva, é bom olharmos
para os números, porque, em 2019, no Perímetro de Rega do Mira, já havia 1200 ha em estufas e similares e,
pelo menos, em números conservadores, 6000 a 8000 trabalhadores nestas estufas, só em Odemira.
Ora, se nada for feito, se nada for travado, podem continuar a crescer as estufas e podemos chegar a 4800
ha e mais de 24 000 trabalhadores nestas circunstâncias.
As associações ambientalistas já chamaram a atenção para que isto é também um problema ambiental. A
barragem de Santa Clara tem níveis de água abaixo daquilo que é necessário para que haja rega agrícola, e
continuam a tirar água.
Além disso, o grupo de trabalho que acompanha a situação no perímetro de rega do Mira já veio alertar
para que se estão a fazer ilhas, ou seja, guetos destes trabalhadores que são, do ponto de vista social,
explosivas.
Mas no grupo de trabalho diz-se mais, diz-se que esta situação é tão mais incompreensível quanto estes
trabalhadores, na verdade, não são sazonais, porque trabalhando em culturas diferentes acabam por ter
trabalho todo o ano.