I SÉRIE — NÚMERO 64
68
sustentável. Aceitar a existência de mais de 70 milhões de pobres — muitos deles trabalhadores na Europa —,
em 2030, não é, do nosso ponto de vista, um sucesso, é uma derrota.
O melhor exemplo desta prioridade do lucro absoluto sobre o bem comum é a resposta à COVID-19. No
Porto, os 27 chegaram a um acordo sobre o certificado verde digital. Este certificado, que levanta questões de
igualdade e privacidade, facilitará a circulação em tempo de restrições, o que é positivo e ajuda a retoma
económica, mas não garante a segurança a nível mundial.
O Bloco de Esquerda defende que só a suspensão temporária dos direitos de propriedade intelectual, no
âmbito do Acordo TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) permitirá a
partilha de conhecimento para a produção de vacinas e de outros medicamentos COVID-19, o que
possibilitará a sua produção e distribuição não só a nível nacional e europeu mas principalmente mundial.
Quem o defende não é só o Bloco de Esquerda. É António Guterres, na ONU (Organização das Nações
Unidas), o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde e também os dois principais produtores mundiais de
vacinas, já com capacidade de produção instalada a larga escala, a Índia e África do Sul.
No entanto, estes países viram o seu pedido à Organização Mundial do Comércio recusado. Esse pedido,
apoiado por 100 países, foi rejeitado com o voto contra da União Europeia, como bem sabemos.
São vários os países europeus, as personalidades portuguesas e internacionais, a nova administração
americana e o Papa Francisco que defendem a quebra das patentes. Isto já aconteceu no passado e podemos
aprender com essas outras pandemias. Veja-se, por exemplo, os casos da poliomielite e do VIH, que deixaram
de matar através do não registo ou da suspensão de patentes.
Manter tudo como está é condenar à morte incontáveis vidas que podiam ser salvas. Recusar o pedido da
Índia e da África do Sul é ceder ao lobby da grande indústria farmacêutica e colocar em risco acrescido não só
os cidadãos desses países mas também os cidadãos europeus, num futuro próximo, onde as variantes são
inevitáveis e não conhecem fronteiras.
Vacinar a Europa não chega para proteger a Europa. Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, pergunto-lhe, muito
frontalmente: qual a posição atual do Governo português sobre o levantamento de patentes? Qual a ação do
Governo português ao presidir ao próximo Conselho Europeu sobre este tema?
Podemos contar consigo para defender o voto favorável da União Europeia na Organização Mundial de
Comércio e garantir, assim, que as vacinas COVID passem a ser um bem público, de acesso universal? Ou o
lucro das grandes empresas farmacêuticas continuará a valer mais do que as vidas humanas?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP defende a construção de uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em
direitos, de progresso social e de paz. O que a União Europeia tem vindo a impor aos povos da Europa é tudo
menos isso. O que se verifica e confirma é que a resposta da União Europeia a cada novo episódio de crise é
o aprofundamento da integração capitalista e dos seus pilares neoliberal, militarista e federalista.
O Tratado Orçamental, os pacotes da governação económica, o Semestre Europeu, as recomendações
específicas por país, os condicionalismos vários na utilização de fundos estruturais, entre muitos outros
mecanismos de constrangimento, constituem uma teia de condicionalismos — designadamente no plano
económico e orçamental — que submetem países como Portugal, beneficiam as principais potências
capitalistas e reforçam o domínio do grande capital.
Prossegue o processo de interferência da União Europeia nas competências soberanas dos Estados. Por
via da imposição das chamadas «reformas estruturais», a União Europeia tenta intervir diretamente em
matérias como fiscalidade, salários, legislação laboral ou políticas sociais. E não tenhamos dúvidas sobre as
opções políticas e os beneficiários do costume das decisões (e imposições) de Bruxelas, por mais gongóricas
que sejam as proclamações sociais a servir de engodo para mais neoliberalismo!
Nas questões ambientais e climáticas o panorama é idêntico. A mercantilização de respostas e soluções, a
abordagem de mercado, consagrada desde logo na chamada «Lei Europeia do Clima», ignora o problema da