I SÉRIE — NÚMERO 18
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O exemplo maior está na habitação: ao decidir acabar com o travão nas rendas, o Governo vai permitir o
maior aumento dos últimos anos, de quase uma renda a mais no final do ano, e subsidiar a especulação.
Forte com os fracos, fraco com os fortes e, por isso, não admira que tenha o aplauso do PSD, do Chega e
da Iniciativa Liberal, que vieram logo elogiar o fim do travão à subida das rendas.
Mas não é só na habitação, é também nos salários. Agora, além do Orçamento do Estado ser sujeito ao visto
prévio de Bruxelas, o Governo incorporou a obrigação do visto prévio do Conselho Nacional das Confederações
Patronais, a que chama de «acordo de rendimentos» e onde, em troca de salários que não chegam para as
necessidades básicas, se garantem mais benefícios fiscais para as grandes empresas.
Mesmo a CIP (Confederação Empresarial de Portugal), sem assinar, garantiu presença neste Orçamento,
com a sua proposta demagógica, de legalizar os pagamentos por debaixo da mesa, que ataca a sustentabilidade
da segurança social, mas que, acima de tudo, é um ataque a cada trabalhador que, com este desvio dos salários
para os prémios, fica mais desprotegido, mais sujeito a arbitrariedades e com menos descontos na sua carreira
contributiva. Lá está a proposta da CIP, depois de vocalizada no Parlamento por PSD, Chega e Iniciativa Liberal,
vertida, mais coisa menos coisa, neste Orçamento da maioria absoluta do PS.
Nas pensões, mesmo somando os vários aumentos — até aqueles que o Governo não queria fazer —, a
verdade é que o proposto não cobre nem metade do aumento dos últimos dois anos nos preços dos bens
alimentares, para onde se dirige todo o rendimento de quem tem pensões mais baixas.
Os preços aumentam nos combustíveis, e o Governo nada faz para travar as margens de refinação da Galp,
que está a lucrar quase 4 milhões de euros por dia.
Os preços aumentam na alimentação, e o Governo deixa que os donos do Pingo Doce ou do Continente
lucrem 2,5 milhões por dia.
A fortuna de alguns é a miséria de muitos!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — E, no momento em que se agravam os contrastes entre uma minoria
privilegiada e o sufoco da vida da maioria trabalhadora, o Orçamento podia e devia fazer uma opção para
reverter este rumo.
E aqui devia entrar a política fiscal, a função redistributiva da política fiscal. É preciso aliviar os impostos
sobre quem trabalha ou trabalhou, sobre os rendimentos mais baixos e intermédios, mas, ao mesmo tempo, é
preciso tributar os lucros realizados no País, acabar com benefícios fiscais para o grande capital.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Não vemos isso. Os benefícios fiscais até se alargam, e o alívio fiscal deixa
de fora uma grande parte da população com rendimentos mais baixos ou com muitas despesas dedutíveis, que
pouco ou nada vai ver desta alteração do IRS, uma vez que o Governo foi atrás do PSD e decidiu deixar de fora
qualquer alívio no IVA da energia. Fraco com os fortes, forte com os fracos, também na política fiscal.
O Governo tem apresentado este Orçamento com ares de prudência, de responsabilidade, das chamadas
«contas certas». Mas a política do Governo tem sido tudo menos acertada, tudo menos prudente, tudo menos
responsável.
Tem sido tudo menos acertada porque falha constantemente na execução orçamental. Em 2022 foram 1400
milhões de euros de investimento público por executar e em 2023 foram 1200 milhões, investimento que fica a
faltar nas escolas, nos hospitais, nos centros de saúde, na ferrovia, na habitação, nos transportes, nos serviços
em geral.
Por isso, esta é uma política que é tudo menos prudente. É que deixar investimento público por fazer quando
ele é tão necessário, é comprometer as gerações futuras com investimentos que, não sendo feitos no momento
certo, vão sair, seguramente, mais caros.
E é uma política tudo menos responsável, porque tem a irresponsabilidade de o fazer no preciso momento
em que, mais do que nunca, é preciso salvar os serviços públicos.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!