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11 DE ABRIL DE 1980

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democracia euro-ocidental. Na realidade, se olharmos para uma França, uma RFA ou um Reino Unido, constataremos que as respectivas forças armadas dependem do Governo, órgão de soberania que fundamentalmente exerce o poder político. No Governo um ou mais Ministros superintendem nos três ramos das forças armadas. Estas não exercem autonomamente nenhuma espécie de poder político, podendo, quando muito, funcionar como lobby, tentando influenciar o exercício daquele.

Muito diferente é a realidade constitucional portuguesa: face à Constituição Portuguesa de

1976, a estrutura das forças armadas exerce autonomamente uma importante parcela do poder político. O seu órgão máximo — o Conselho da Revolução — funciona como autêntico governo e corpo legislativo das forças armadas. Sem qualquer dependência do Governo ou da Assembleia da República (v. I. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotadora, Coimbra, 1978, nota IV ao artigo 273.° e nota II ao artigo 148.°).

Este estado de coisas tem a sua origem institucional na 2." Plataforma de Acordo Constitucional, subscrita em 26 de Fevereiro de 1976 pelo Presidente da República e pela maioria dos partidos políticos, embora as forças armadas já fossem independentes do Governo desde a Lei n.° 3/74, de 14 de Maio.

Aparentemente, para o cidadão comum, que lê os jornais, tudo se passa como se existissem dois mundos: o mundo civil e o mundo militar. Mundos a que muitos chamam poderes paralelos. Mundos regidos por normas diversas, com os seus mitos e os seus chefes.

Poderá perguntar-se o porquê do carácter sui generis, ao menos em termos europeus, deste enquadramento constitucional das forças armadas, enquadramento que se desdobra, como vimos, em dois aspectos diversos, mas complementares:

A independência face ao Governo;

O reconhecimento da titularidade de importante zona de poder político operado pelo próprio texto constitucional.

A justificação do primeiro aspecto reside essencialmente na consideração de que, em período de instabilidade institucional, seria perigoso reconhecer a um Governo formado com base nas forças políticas dominantes poder sobre as forças armadas, em face da longa tradição que estas arrastam em Portugal de sistemática interferência no exercício do poder político e de insubmissão relativamente às forças civis que o exercem. Uma vez consolidadas as instituições democráticas, terminado o período de transição, as forças armadas reassumiriam o seu papel sob as ordens do Executivo.

VI — Se aprofundarmos, porém, esta questão veremos que os mundos civil e militar não estão isolados um do outro, antes se interrelacionam e se influenciam reciprocamente. Em muitos preceitos constitucionais encontramos exemplos claros dessa interdependência:

a) Ê à Assembleia da República que compete a «organização da defesa nacional»

— artigo 167.°, alínea l), da Constituição;

b) Os programas dos vários Governos cons-

titucionais definiam políticas de defesa nacional: a título exemplificativo, vejam--se o ponto 1 da alínea g) dos programas dos 1.° e 2." Governo constitucionais;

c) Também no Orçamento Geral do Estado

se incluem as despesas com as forças armadas, embora a sua elaboração seja de responsabilidade do Governo, nos termos da alínea b) do artigo 202." da Constituição: também a título de exemplo, veja-se o anexo II ao artigo 11.° do Orçamento Geral do Estado para 1979;

d} O Conselho da Revolução tem competência para se pronunciar «junto do Presidente da República sobre a nomeação e a exoneração do Primeiro-Ministro

— artigo 147.°, alínea a), da Constituição; e) O Conselho da Revolução é o sujeito activo do controle, quer prévio, quer posterior, da constitucionalidade dos diplomas legais emanados da Assembleia da República e do Governo, salvo no que concerne à fiscalização difusa da constitucionalidade, a cargo dos tribunais

— artigo 146.°, alíneas a) e b), da Constituição.

VII — Mas não é exclusivamente — nem talvez fundamentalmente — esta interrelação dos universos civil e militar a garantia da unidade do exercício do poder político — «a soberania, una e indivisível» de que fala o artigo 3.° da Constituição.

A nosso ver, essa garantia da unidade do exercício do poder político reside em duas realidades de natureza diversa:

1) Em primeiro lugar, o Presidente da República é o «comandante supremo das forças armadas» e preside ao Conselho da Revolução — artigos 137.°, n.° 1, e 136.°, alínea a), da Constituição.

E, note-se, nada obsta a que o Presidente da República seja um civil, mesmo o presidente de um partido político.

Ê, pois, ao nível do supremo magistrado da Nação e não ao do Governo que se vai proceder à unificação institucional do exercício do poder político. Este importante factor diferenciador do regime político português relativamente às democracias euro-ocideutais encontra as suas raízes históricas no próprio papel que as forças armadas desempenharam quer no próprio 25 de Abril, quer na evolução política posterior, designadamente no receio que a instabilidade institucional provocasse a partidarizaçâo das forças armadas, se dependentes de Governos emanados dos partidos. Apesar das boas intenções — de quem realmente as tinha —, tal partidarizaçâo não foi evitada. E, reconheçamos, tal «receio»