20 DE OUTUBRO DE 1980
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A aprovação pela Assembleia da República da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei n.° 82/77, de 6 de Dezembro), que deixou de fora os tribunais administrativos e fiscais, aponta no sentido da sua não integração no sistema dos tribunais judiciais. E para além das enormes dificuldades a que daria lugar a integração, a experiência tem mostrado que existem vantagens de monta para a própria justiça administrativa na existência de um sistema autónomo de tribunais administrativos e fiscais. Eis o que parece aconselhar, nesse momento, a opção pela não integração.
3 — Para a efectivação do direito de recorrer contenciosamente, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios — consagrado no artigo 269.", n.° 2, da Constituição— é necessário, no entanto, que o novo sistema de tribunais de contencioso administrativo e fiscal dê garantias de eficácia e independência. E tais características hão-de reflectir-se adequadamente não só na estrutura, atribuições e competências dos tribunais e no próprio regime do recurso contencioso, mas também nas soluções adoptadas quanto ao recrutamento e garantias dos respectivos juízes.
Neste domínio, a Constituição da República consagra como princípio geral comum a todos os tribunais o da independência e única sujeição à lei. Este princípio não é salvaguardado num sistema, como o ainda vigente —que vem do período anterior a 25 de Abril de 1974—, em que a nomeação dos juizes do contencioso administrativo cabe ao Executivo. Importa que o novo sistema assegure uma real independência, o que exige desde logo a alteração das regras de nomeação e a definição de garantias de acesso, diminuindo a discricionariedade ainda existente.
4 — É tradicional, no País, o recrutamento preferencial, pelo menos na prática, entre os magistrados judiciais. Este sistema tem a vantagem de aproveitar a formação e experiência judicial dos magistrados, mas oferece alguns inconvenientes, dos quais há que salientar o facto de a especialização em matéria administrativa se fazer com sacrifício da preparação dos juízes, na hipótese de regresso à carreira em que continuam integrados, além disso, perde-se o contributo que pode ser dado por pessoas que, tendo formação jurídica, têm da Administração um conhecimento mais real, em virtude de funções que nela tenham exercido. Por esse motivo, alguns países recrutam juízes do contencioso entre agentes da Administração. Igualmente se considera a possibilidade de admitir, no contencioso administrativo, os diplomados por escola de administração pública, sistema que noutros países tem largas tradições.
Por isso opta por um sistema que, dando preferência aos magistrados judiciais, admite o ingresso de licenciados em Direito, que tenham exercido funções na Administração, e aos diplomados por aquela escola, quando existir.
5 — No que respeita à competência para nomear os juízes do contencioso (e excluída a nomeação pelo Executivo, por esta forma violar o princípio da independência consagrado na Constituição), dois sistemas se apresentavam à opção: ou atribuir essa competência ao Conselho Superior da Magistratura ou a uma outra entidade com garantias de independência. O primeiro desses sistemas revela-se desaconselhável por vários motivos. Em primeiro lugar, viria alargar o âmbito da acção do Conselho Superior da Magistratura para
além das finalidades para que foi criado, assoberbando um órgão já de si com um campo vasto de atribuições. Por outro lado, e essencialmente, tendo-se escolhido o sistema de permitir, no contencioso administrativo e fiscal, juízes não oriundos da magistratura judicial, não faria sentido fazer depender a nomeação e a disciplina desses juízes de um órgão onde não estariam todos representados. Além de que os problemas específicos dos tribunais administrativos e fiscais são diversos dos que são próprios dos tribunais judiciais (por isso se separam essas duas ordens de tribunais).
Adoptou-se, assim, o sistema de atribuir a nomeação e, por implicação, a acção disciplinar a um órgão independente e diverso daquele Conselho. E, dentro desta ordem de ideias, interessará conferir essas atribuições a entidade que se situe próxima da Administração, em estreita ligação com ela. Países há que conferem a competência para nomear os juízes do contencioso às próximas assembleias legislativas. Será preferível, porém, que tal caiba a um órgão mais disponível e mais especializado, sem perder de vista a sua ligação necessária com a Administração.
Nessa ordem de ideias, atribui-se a competência para a nomeação de juízes do contencioso administrativo e fiscal a um órgão de natureza semelhante ao Conselho Superior da Magistratura, formado pelos próprios sectores que irão ser sujeitos à fiscalização desses magistrados; esse órgão, tornado independente logo que criado, exercerá também a acção disciplinar sobre os juízes que nomeia.
6 — Outra questão que pode suscitar discussão é a da junção, dentro da mesma ordenação judicial, do contencioso administrativo e de contencioso fiscal.
Essa ligação é aconselhada por razões de natureza substancial e de natureza prática. Para além do problema de saber se os tribunais fiscais são tribunais administrativos especializados, o certo é que a decisão do juiz fiscal se analisa, em grande parte das vezes, num juízo sobre um acto administrativo: daí que seja desejável uma formação de base comum. Depois, estas realidades estão, de algum modo, reconhecidas no facto de, no próprio sistema vigente, estarem integradas no mesmo tribunal supremo as secções de contencioso administrativo e de contencioso fiscal:
A conexão que isso revela deve ser desenvolvida nas suas consequências ao delinear o sistema global das duas ordens contenciosas. Por último, um sistema único permite uma economia de meios e uma unidade de actuações que não se poderiam verificar com duas ordens independentes.
7 — Apresenta-se uma hierarquia de tribunais com três escalões, o que constitui uma inovação quanto ao contencioso administrativo. Não se viu motivo para que o foro administrativo continuasse privado das três vias de recurso, que são o normal dos outros tribunais (incluindo os fiscais), ao mesmo tempo que se antolham vantagens na criação de uma 2.a instância do contencioso administrativo, propiciando, designadamente, uma adequada desconcentração em matéria de recursos contenciosos actualmente dirigidos ao Supremo Tribunal Administrativo.
Desde logo se pode com isso descongestionar aquele Tribunal em relação a matérias que hoje lhe cabem em primeira jurisdição. Além disso, a criação de tribunais de 2.* instância, de âmbito não nacional, corresponde ao desejo de aproximação entre a justiça e as populações.