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31 DE JANEIRO DE 1981

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nho —, concluir-se-à que foi violado o artigo 167.°, alínea c), da Constituição, que reserva a competencia exclusiva da Assembleia da República legislar sobre a matéria dos direitos, liberdades e garantias.

E dizer que, mesmo que o preceito em causa, ou a sua estatuiçâo, coubesse nos limites fixados no artigo 18.°, n.os 2 e 3, da Constituição, o que, na nossa opinião, não é o caso, como tentámos demonstrar, sempre estaria viciado de inconstitucionalidade orgânica.

Não obstará a tal conclusão a circunstância de o mencionado decreto-lei ter sido emanado no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 18.° da Lei n.° 8-A/80, de 26 de Maio, já que tal norma, de âmbito estritamente fiscal e elaborada ao abrigo dó preceituado nos artigos 106.°, n.° 2, e 167.°, alínea o), da Constituição, por forma alguma, directa ou indirecta, expressa ou implicita, autoriza a inovação em apreço ou que o Governo restrinja direitos, liberdades e garantias.

III — Por tudo o exposto, propõe-se que, ao abrigo do artigo 281.°, n.° 1, da Constituição, seja solicitada ao Conselho da Revolução a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade material e orgânica do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 183-F/80, de 9 de Junho, na parte em que adita ao Código do Imposto Complementar o artigo 56.°-A, por violação dos artigos 53.°, alínea a), 13.° e 106.°, alínea c), da Constituição.

À consideração superior.

1 — Concordo com o Sr. Assessor.

2 — É certo que é compreensível que o fisco procure assegurar-se do cumprimento das suas obrigações por parte dos cidadãos.

Mas não poderá fazê-lo, a meu ver, com ofensa de preceitos constitucionais.

Ora, é regra constitucional a de que os trabalhadores por conta de outrem têm direito à retribuição correspondente ao seu trabalho paga pontualmente.

E essa regra abrangerá quer os trabalhadores do sector privado, quer os da função pública.

3 — Mesmo que a regra em questão, enquanto consagradora de uma medida cautelar, apenas pudesse dar origem ao protelamento do pagamento da remuneração do trabalho, já ai se não coadunaria com a exigência constitucional do pagamento pontual da remuneração.

4 — Mas a verdade é que a disposição em causa pode até levar ao efectivo não pagamento da remuneração de Dezembro, isto no caso de o trabalhador não apresentar, nem sequer mais tarde, a prova de entrega da declaração do imposto complementar.

5 — E a verdade é que ele tanto poderá fazê--lo por não querer pagar o imposto, como por ter entendido não estar sujeito, à face da lei, à apresentação da declaração.

A disposição em causa faz, assim, depender da opinião da entidade patronal — pública ou até privada —, sobre a questão fiscal de saber se o trabalhador estava ou não obrigado a apresentar a declaração do imposto complemen-

tar, o percebimento por este das remunerações de Dezembro.

6 — Acresce que a relevância da remuneração do trabalho enquant nrp tacão de tipo alimentar é tão importam* para a lei que, até na hipótese de existirem dívidas efectivas do trabalhador (para com entidades privadas ou até públicas, incluindo o fisco), a lei geral não permite penhorar essp imitativo para além do limite fixado no Código de Processo Civil.

Não seria natural que agora o legislador quisesse derrogar este princípio em relação a situações em que pode nem sequer haver efectiva dívida ao Estado.

7 — E, como o Sr. Assessor salienta, a prescrição sob análise estabelece regime discriminatório em desfavor dos contribuintes trabalhadores por conta de outrem.

É que só eles são por ela atingidos, e não os demais recebedores de rendimentos sujeitos ao imposto complementar, os quais não deixam de os receber se não apresentarem a declaração respectiva.

Ora, a Constituição, de entre a remuneração dos vários factores de produção, é a do trabalho que concretamente consagra como tendo de ser atribuida, e não, especificamente, as demais.

8 — Enfim, o regime em causa pode dar azo a uma situação de injustificado e inexplicável locupletamento à custa alheia — a da entidade patronal que, diferente do Estado (e tanto pode ser pública como até privada), se veja com a sua aplicação enriquecida, sem qualquer fundamento, com as remunerações de Dezembro que não paga aos seus trabalhadores.

9 — A apreciação do Sr. Provedor.

O problema em apreço nesta reclamação suscita uma série de reflexões que entendo não dever deixar de fazer.

A análise dos preceitos constitucionais que conferem aos indivíduos o que se convencionou apelidar dos seus direitos, liberdades e garantias fundamentais tem de fazer-se à luz das realidades presentes e dos princípios que, embora encontrando a sua origem e justificação já nas eras mais remotas, têm de ser aqueles que o mundo actual, na sua evolução até aos nossos dias, veio a estabelecer.

Assim, hoje, ao falar-se nos direitos e liberdades dos cidadãos, não pode deixar de ter-se presente que, a par destes, surgem os seus deveres, tal como, a par dos deveres do Estado para com os cidadãos, existem os direitos do Estado em relação ao mesmo cidadão.

Isto significa que os direitos e liberdades do cidadão não só não podem atingir os dos outros e se limitam quando possam lesar os direitos e liberdades dos demais, como ainda que eles se não podem sobrepor aos deveres que advêm da necessidade de todos contribuírem para o bem comum, para a colectividade, em suma. Tal como os direitos do Estado em relação aos cidadãos se devem disciplinar pela necessidade de que o seu exercício se limite à finalidade de responder à satisfação das necessi-