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II SÉRIE — NÚMERO 60

exigida pela própria dignidade da pessoa humana (que a Constituição da República Portuguesa reconhece no seu artigo 1.°), afigura-se perfeitamente legítima e merecedora da consagração legal adequada. No mesmo sentido têm caminhado, aliás, a generalidade das legislações nacionais dos países da Europa Ocidental, onde se lhes atribui um estatuto jurídico próprio, atentas as nobres razões que estão na sua origem.

2 — A objecção de consciência é uma realidade social que tem vindo a encontrar apoio e incentivo em diversas instâncias internacionais, quer por parte de organizações internacionais, quer por parte de instituições de diversa índole.

Neste sentido se pronunciou o Concílio Ecuménico Vaticano II, em Roma, em 1965, nos seguintes termos:

Também parece razoável que as leis tenham em conta com sentido humano o caso daqueles que se negam a pegar em armas por motivos de consciência, quando aceitam servir a comunidade de outra forma. (Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, Gaudium et Spes, artigo 79.°, 3.°, in fine).

De igual forma têm advogado a consagração legislativa da objecção de consciência diversas outras instâncias de grande prestígio como a Comissão Internacional de Juristas, o Conselho Ecuménico das Igrejas, o Congresso Mundial sobre a Religião e a Paz, a Comissão Pontifícia Justiça e Paz, a Comissão dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas, o Conselho Mundial das Igrejas, a UNESCO, entre outras.

Pela sua relevância merecem referência especial a Resolução n.° 337, de 26 de Janeiro de 1967, da Assembleia Consultiva do Conselho da Europa e a Acta Final da Conferência de Helsínquia de 1975.

Afirma o primeiro daqueles textos:

Artigo 1.° As pessoas sujeitas ao serviço militar e que por razões de consciência ou de convicções profundas derivadas da religião, da ética, da moral, do humanismo, da filosofia, ou de outros motivos similares, recusam cumprir o serviço militar, devem usufruir de um direito pessoal, para serem livres da obrigação de um tal serviço.

Art. 2.° Este direito deve ser considerado como a sequência lógica dos direitos fundamentais, garantidos pelo artigo 9.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Por seu turno a Acta Final de Helsínquia dispõe:

Os Estados participantes respeitarão os direitos do homem e as liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de pensamento, consciência, religião ou crença de todos, sem distinção em função da raça, do sexo, do idioma ou da religião.

Promoverão e encorajarão o exercício efectivo dos direitos e liberdades civis, políticos, económicos, sociais e culturais e outros direitos e liberdades decorrentes da dignidade inerente à pessoa humana e que são essenciais à sua realização livre e integral.

Neste contexto os Estados participantes reconhecerão e respeitarão a liberdade do indivíduo de professar e praticar, individual ou colectivamente, a sua religião ou crença, actuando de acordo com os ditames da sua própria consciência

3 — Em Portugal só com o movimento militar de 25 de Abril de 1974 e com o fim da guerra colonial se tornou possível equacionar a uma nova luz a problemática da objecção de consciência. É assim que a Constituição da República reconhece nos seus artigos 41.°, n.° 5, e 276.°, n.° 3, o direito à objecção de consciência, «ficando os objectores obrigados à prestação de serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar obrigatório», podendo aquele serviço revestir a forma de «serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação».

A iniciativa legislativa que ora se toma visa precisamente garantir, no plano jurídico, as condições de exercício de tal direito constitucionalmente consagrado.

Foram especialmente considerados na sua elaboração a proposta de lei n.° 164/1, aprovada em Conselho de Ministros em 14 de Março de 1978, e que não viria a ser apreciada pelo Parlamento por virtude da demissão do II Governo Constitucional, o documento Estatuto do Objector de Consciência perante o Serviço Militar, elaborado pela Asosciação Livre dos Objectores e Objectoras de Consciência e ainda o despacho do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas de 6 de Junho de 1975, bem como a circular n.° 3696/PR, de 23 de Dezembro de 1976, do Estado-Maior do Exército, e a nota n.° 1030/DA.3, de 23 de Dezembro de 1976, da DIPES do Estado-Maior das Forças Armadas.

4 — A definição do Estatuto do Objector de Consciência parte da constatação, com acolhimento constitucional, de que existem pessoas que fundam a sua própria dignidade humana em convicções de ordem muito variada, mas que se traduzem, enquanto normas de conduta, na convicção da ilicitude de tirar a vida ao seu semelhante, mesmo que tal se verificasse por razões de defesa nacional, colectiva e pessoal.

Optou-se pois por uma definição de objector de consciência relativamente ampla, na senda da Resolução n.° 337 da Assembleia Consultiva do Conselho da Europa, abrangendo um leque diversificado de motivações conducentes à objecção de consciência.

As nobres razões que fundam a objecção de consciência não podem deixar de ser sublinhadas nomeadamente na definição do serviço cívico alternativo. Com efeito, permite a Constituição da República que o objector de consciência, liberto do serviço militar, possa prestar em alternativa serviço militar não armado ou um serviço cívico.

Entendeu-se num primeiro plano que a escolha entre um e outro deve pertencer preferencialmente ao próprio objector, em conformidade com os ditames da sua própria consciência.

Em segundo lugar pretende-se que o tratamento da objecção de consciência não coloque os objectores numa situação de qualquer tipo de desmerecimento ou de marginalização social. Por isso se entendeu que o serviço cívico alternativo deve contemplar actividades de natureza social e cultural dignificantes de quem as exerce, úteis para a colectividade e sobretudo compatíveis com as convicções dos objectores, potencializando mesmo a sua aplicação concreta em sectores e domínios particularmente carenciados de meios humanos imbuídos de um verdadeiro sentimento de solidariedade e de fraternidade.

A título meramente exemplificativo refira-se que o serviço cívico alternativo bem poderá estar canalizado