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15 DE JANEIRO DE 1983

558-(89)

O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado, aguardamos as fotocópias, para efeitos de leitura. Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção última do Sr. Vice-Primeiro-Ministro suscitou-me algumas dúvidas e a intenção de vários comentários.

Daí as questões que lhe gostaria de colocar.

Pergunto ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro qual a sua opinião sobre a possibilidade de um qualquer militar se dirigir, em nome próprio, a um órgão de soberania, apoiado no disposto no n.° 1 do artigo 52.° da Constituição.

Por outro lado, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, a alínea d) do artigo 202.° diz competir ao Governo, no exercício de funções administrativas, «dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender na administração indirecta e exercer a tutela sobre a administração autónoma».

Ora, o direito de recurso ao Provedor de Justiça não significa que se recorra contra esta ou aquela autoridade militar, contra esta ou aquela hierarquia militar, significa antes um direito a recurso, a petição e a representação perante o Provedor de Justiça, porque o Governo, ao fim e ao cabo, é a entidade máxima a superintender num poder público que a alínea d) do artigo 202.° torna extensível às zonas militares. Esta era a primeira das questões a expor-lhe.

Desenvolveu o Sr. Vice-Primeiro-Ministro também considerações, que aplaudo inteiramente, no sentido de justificar o carácter prematuro da fixação num texto legal da figura de recurso ao Provedor de Justiça, como possibilidade reconhecida a um militar.

Afirmou o Sr. Vice-Primeiro-Ministro que haveria, antes disso, que aperfeiçoar as relações entre as várias hierarquias militares, definir e delimitar os direitos do militar no interior da instituição, etc.

Não será, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que, sendo assim, se deveria aproveitar a segunda posição, a defendida pelo Sr. Deputado Magalhães Mota quanto ao artigo 31.°, e então começarmos por regular, em sede da Assembleia da República, as bases gerais da disciplina militar, as restrições, os direitos e toda a matéria que temos vindo a tratar?

Se o Sr. Vice-Primeiro-Ministro afirma ser necessário aperfeiçoar, se afirma tal ser possível e factível em tempo útil, se afirma ser viável iniciar-se um percurso que leve ao aperfeiçoamento das relações existentes no coração da instituição militar, então, façamo-la já. Só que, sem iniciarmos tal caminho, não nos é lícito coarctar possibilidades, estatuindo conteúdos como o constante no artigo 31.°

Escandalizou-se o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, em sede de Plenário, quando afirmei conter esta matéria da proposta de lei uma prussianização das nossas Forças Armadas. O certo é que aqui se restringem direitos e se conferem poderes, sem controle de quem de direito.

Fiz 48 meses de serviço militar, dos quais muitos em Angola. Ali presenciei cenas e vivi situações incríveis, nomeadamente ocasiões em que capitães esbofeteavam militares.

São estes os problemas que me preocupam, são estes os problemas que urge solucionar em termos de consagração de direitos dos militares no quotidiano das Forças Armadas.

Não me preocupam tanto, e do mesmo modo, os direitos do senhor capitão e do senhor major, senhores estes que se defendem sempre das situações que lhes são mais desvantajosas. O soldado instmendo, esse sim, é merecedor de protecção legal.

Considero urgente a institucionalização da possibilidade de controle da hierarquia militar — que tem tendência à autoprotecção dos seus integrantes — do exterior. Caso contrário, contribuiremos para a efectiva prussianização das Forças Armadas e — o que é muito pior — meteremos o militar num ghetto.

Finalmente — e desculpar-me-à o Sr. Vice-?rimeiro--Ministro que eu volte à «vaca fria» —, mais uma breve questão: referiu-se V. Ex.4, ontem, ao direito de antena, a propósito das festas musicais patrocinadas por partidos.

Vi, dias atrás, a transmissão de um tempo de antena de um dos partidos da AD, transmissão muito bem feita e atraente. Estas transmissões requerem-se bem feitas — aliás, como V. Ex.4 o referiu — para captação de atenções.

Pergunto agora: Quererá o Sr. Professor Freitas do Amaral dizer ser um dever dos militares desligar o aparelho de televisão, sempre que lhes surja pela frente a transmissão de um tempo de antena feito por uma menina muito bonita e simpática?

Vejamos este exemplo: suponhamos que um militar me visita em minha casa, ou visita quem quer que seja em casa de quem for, e, à saída, repórteres o fotografam e publicam a sua fotografia num jornal. Ao fim e ao cabo, todos nós podemos, em nossa casa, receber a visita de um militar. Que sistema estamos nós a criar em relação aos militares?

Perdoar-me-á V. Ex.' a franqueza com que lhe coloco os problemas, mas urge que assim o faça. Todos eles se desdobram a partir deste outro problema base: Recusando o Sr. Vice-Primeiro-Ministro a extensão do serviço para o Provedor de Justiça — e vindo a recusar certamente outras propostas de que adiante nos ocuparemos—, legislando-se como se está a legislar, que garantias descobre V. Ex.° na lei, nesta e na legislação militar aplicável, capazes de funcionar como contraponto do poder discricionário exercido pelos chefes militares?

Sem dúvida alguma que os militares têm, e devem, ter poderes discricionários. Apenas ressalvo que tais poderes deveriam ser controlados.

Peço desculpa por qualquer fait divers que haja introduzido na minha intervenção, como a do tempo de antena, por exemplo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Sr. Vice--Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Não posso concordar com parte substancial da filosofia expendida pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro acerca da relação entre o Provedor de Justiça e Forças Armadas.

As Forças Armadas mais disciplinadas dos países da Europa Ocidental são, porventura, as da República Federal da Alemanha — estão submetidas à acção e à fiscalização de um provedor de justiça—, e isso não representa, nem representou, qualquer colisão com os princípios da disciplina, nem da hierarquia, nem da operacionalidade desse corpo militar.