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4 DE JANEIRO DE 1984

1883

ceram com a sua extinção). Esse quadro sofreu alterações legais, mas apenas no tocante a aspectos que gritantemente contrastavam com as concepções e regras básicas do Estado de direito democrático. O regime jurídico das associações públicas de carácter profissional carece ainda de ser repensado, de forma global e inovador, face aos princípios constitucionais.

É uma tarefa inadiável por tudo o que se expôs e ainda porque há presentemente discrepâncias legais entre as regras aplicáveis às várias profissões actualmente abrangidas; há normas estatutárias que a realidade tornou (fe.izmente) letra morta, mas são fonte de equívocos e instabilidade; há regras de organização e actuação que infringem os limites constitucionais; há associações públicas que se comportam como se fossem sindicatos; estão por explicitar princípios e procedimentos fundamentais para a adequada realização do interesse público pelas actuais associações sem lesão dos direitos dos respectivos profissionais; há indefinições quanto às relações entre as associações e o Estado ...

Não sofre dúvidas a necessidade de uma clarificação legal que permita, designadamente, a eliminação de normas e práticas que, a poucos meses do 10.° aniversário do 25 de Abril, são insólitas sobrevivencias do corporativismo.

3 — A perspectivação em moldes novos de um regime das associações públicas conforme à Constituição implica, acima de tudo, uma rigorosa delimitação daquilo que neste domínio cabe ao Estado e do que apenas deve caber aos cidadãos cuja actividade ou profissão se pretenda disciplinar dessa forma. A nova delimitação acarretará, por sua vez, uma muito positiva diversificação dos instrumentos jurídicos necessários à realização do interesse público: deixar-se-á aos órgãos de soberania aquilo que só deles possa emanar, facultando-se tudo o mais aos interessados.

A clarificação assim operada reveste-se de enorme importância. Os actuais estatutos das associações públicas (aprovados pelo Governo) contêm, em amálgama, normas organizativas, regras deontológicas, regulamentos de exercício de profissões, disposições, disciplinas e até regras cuja sede própria devem ser os códigos de processo. A inclusão de matérias de tão diversa natureza num só instrumento jurídico decorre de uma concepção que, por um lado, atribui ao Estado poderes que não .he podem caber, subtraindo-lhe outros de que não pode abdicar, e que, por outro lado, pretende impor aos cidadãos obrigações a que estes não podem ser sujeitos, atribuir-lhes poderes que não podem ter e recusar-lhes outros a que têm direito.

O artigo 102.° do actual estatuto da Ordem dos Engenheiros constitui exemplo dos resultados a que por tal via se chega. O estatuto, aprovado por decreto--lei governamental, só pode ser alterado se o Governo for para tal «autorizado» por referendo nacional de engenheiros (e de acordo com os resultados deste!). Com esta espantosa confusão entre poderes (ilimi-táveis) de órgãos de soberania e os poderes possíveis de uma organização profissional pôs-se termo a um período em que a Ordem (criada pelo Decreto-Lei n.° 27 288, de 24 de Novembro de 1938, e com estatuto corporativo aprovado pelo Decreto-Lei n.° 40 744, de 8 de Setembro de 1956) se convertera em «associação particular» (a Associação Portuguesa de Engenheiros), por escritura de 28 de Junho de 1976, celebrada no 8.° Cartório Notarial de Lisboa (Diário

da República, 3.° série, n.° 163, de 17 de Julho de 1976). O Decreto-Lei n.° 352/81, de 28 de Dezembro, cuja ratificação se encontra há anos pendente na Assembleia da República, abriu o precedente no direito português (pelo menos!) de um grupo social «poder», referendariamente, condicionar de forma absoluta a competência legislativa do Governo? A Constituição não o consente, mas o absurdo está na lei...

4 — O presente projecto de lei visa tão-só definir as bases gerais das associações públicas de carácter profissional e assenta numa concepção oposta à que se tem vindo a criticar. Considera-se que:

a) O Estado não pode impor a organização dos

cidadãos em agrupamentos profissionais. Não lhe cabe criar organizações pro£ssio-nais, menos ainda decretar a filiação obrigatória de cidadãos em organizações a que só livremente devem pertencer. Se a obrigatoriedade de inscrição é a negação da própria ideia associativa, então organizações que nela assentassem poderiam, sem dúvida, ser públicas, mas não seriam associações.

As ordens eram, sob a Constituição de 1933, organismos económicos, corporativos, primários, de inscrição obrigatória e de representação institucional. Mas no Estado democrático não há representação imposta pela autoridade, nem pode prescindir-se de acto consciente de adesão a um agrupamento profissional ...;

b) ê ao Estado que cabe definir os requisitos

necessários ao exercício das profissões, estabelecendo as respectivas condições de acessa e padrões de actuação básicos;

c) Não podendo a lei fazer depender o exercício

de uma profissão da prévia inscrição numa associação representativa, deve garantir, porém, a existência de um registo público obrigatório de todos os que exercem as profissões em questão e instituir os mecanismos necessários e adequados para que os respectivos membros respeitem a lei e as pertinentes regras deontológicas, qualquer que seja a sua qualidade.

Quando para a salvaguarda do interesse público se torne necessário atribuir a uma profissão organizada poderes públicos de autodisciplina e auto-regulamen-tacão, tal só poderá fazer-se sem prejuízo destes princípios.

5 — O projecto de lei do PCP define as condições em que organizações de carácter profissional assumem a forma de associações públicas e distingue dois momentos no respectivo processo de constituição:

A criação da associação profissional pelos próprios interessados, com a aprovação dos respectivos estatutos, nos termos da lei geral do direito de associação e de acordo com as determinações da legislação sobre associações públicas;

A atribuição de poderes públicos à associação, através de acto de órgão de soberania.

Cabe aos órgãos de soberania emitir o juízo sobre a necessidade e sobre a legalidade da atribuição de