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22 DE FEVEREIRO DE 1984

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PROJECTO DE LEI N.° 286/111

MEDIDAS DE EMERGÊNCIA PARA PAGAMENTO DOS SALÁRIOS EM ATRASO, GARANTIA DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES, SALVAGUARDA 00 FUNCIONAMENTO E RECUPERAÇÃO DAS RESPECTIVAS EMRESAS.

1 —Em 5 de Novembro de 1983, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou à Assembleia da República um projecto de lei que adiantava um programa de emergência para atender aos dramas económicos e sociais provocados pela proliferação dos salários em atraso.

Estavam em causa mais de 100 000 trabalhadores. Eram cerca de 300 empresas nessa situação.

O projecto do PCP foi rejeitado pelos partidos da coligação governamental (e pelo CDS e ASDI).

Foi rejeitado não por ser «desnecessário», mas porque vinha do PCP. A sua não aprovação, sequer na generalidade, foi convertida em «imperativo de sobrevivência da coligação». Na hora da votação foram feitas promessas de solução, alguns terão acreditado que alguma coisa ia mudar ...

Tal não aconteceu, porém. Aconteceu precisamente aquilo que o PCP tinha querido evitar.

A iniciativa, teve, no entanto, o mérito de alertar a consciência moral dos democratas, de sensibilizar a opinião pública e os órgãos de comunicação social, contribuiu para impedir o isolamento da luta e da resistência dos homens e mulheres a quem se nega uma das expressões mais significativas do seu direito à vida.

2 — Passados 100 dias, a crueza dos números fala por si. São já mais de 150 000 trabalhadores, de cerca de 450 empresas, com salários em atraso. Esta é a realidade objectiva. O drama crescente dos homens e das mulheres acossados pela fome demonstra que em 3 de Novembro alguém enganou alguém, lesando os trabalhadores e a economia nacional.

Em 100 dias, o Governo fez umas quantas promessas (propagandeadas nos órgãos de comunicação sócia/), concedeu alguns empréstimos, fez apressadamente um despacho onde se atribui o equivalente ao subsídio de desemprego a trabalhadores de empresas totalmente paralisadas há mais de 30 dias, liquidou a GEL-MAR, declarou a SETENAVE em situação económica difícil, para despedir 1000 trabalhadores, mandou carregar à bastonada e à coronhada sobre milhares de trabalhadores da indústria naval e de outros sectores da margem sul que, pública e pacificamente, manifestavam as suas justas reclamações ...

Lado a lado com o não pagamento de salários subsiste o agravamento da carga fiscal, o galopar diário dos preços e a subsequente redução dos salários reais, contraindo drasticamente o consumo popular e o mercado interno, com consequências desastrosas no plano económico e social.

Os rendimentos disponíveis da população continuam a baixar; os salários reais da maioria dos trabalhadores sofreram num só ano quebras superiores a 13 %, o índice de preços no consumidor em Dezembro de 1983, relativamente a igual período do ano anterior, subiu 34 %, a média de vigência das tabelas salariais rondou os 13/14 meses, os aumentos sala-«a\s TaTamfttvxe ultrapassaram os 20 % ...

Muitas empresas, embora mantendo aparentemente os salários em dia, não cumprem as tabelas salariais, não pagam retroactivos e ou subsídios e complementos salariais.

Sucedem-se os aumentos de preços dos bens alimentares de primeira necessidade, desde o pão ao açúcar, passando pelos óleos alimentares, massa e farinhas, seguindo-se a carne, os ovos e o leite. O aumento brutal de 36 % dos preços dos bens alimentares ultrapassa a própria subida média do índice de preços e é muito superior ao aumento dos rendimentos disponíveis. Esta situação, particularmente grave, dado o peso das despesas com a alimentação no orçamento familiar dos trabalhadores, leva à degradação da alimentação e contribui para a diminuição do rendimento escolar das crianças, para o aumento dos acidentes de trabalho, o aparecimento de doenças e a expansão de outras, como é o caso da tuberculose ...

Entretanto, sob a batuta do FMI, o Governo procede ao desmantelamento dos chamados organismos de coordenação económica e das empresas públicas de importação de cereais, ramas de açúcar e oleaginosas, para entregar de mão beijada às multinacionais e a três ou quatro grupos industriais um comércio altamente rendoso envolvendo cerca de 160 milhões de contos por ano!

Como se pode entender, por outro lado, que o Governo acabe com os subsídios e indemnizações compensatórias aos bens alimentares e serviços públicos essenciais, enquanto prevê atribuir este ano em benesses e incentivos ao capital privado mais de 55 milhões de contos? Como se pode aceitar que cerca de 150 000 trabalhadores continuem com salários em atraso, quando o Governo recusa qualquer combate ao esbanjamento de capitais, às transferências ilícitas para o estrangeiro e à importação de bens supérfluos e de luxo e quando a fuga ao fisco ultrapassa os 100 milhões de contos anuais?

Só uma política enfeudada aos interesses do grande capital e de costas voltadas para os trabalhadores e outras camadas da população permite explicar que o Governo diminua as receitas fiscais de 24 milhões de contos pelo corte na sobretaxa de importações, o que, aliado à anunciada liberalização de importações, é mais um grave atentado às pequenas e médias empresas nacionais produtoras de bens similares aos importados, contribuindo simultaneamente para a diminuição da produção nacional, o agravamento do desemprego e do défice da balança de transacções correntes!

Ê escandaloso que o Governo afirme não haver verbas para resolver o problema dos trabalhadores com salários em atraso, quando é sabido que este ano as receitas do Fundo de Desemprego rondarão os 48 milhões de contos e apenas estão previstos 14 milhões para pagamento do subsídio de desemprego. Não é possível aceitar que nesta situação dramática de salários em atraso e desemprego sejam transferidos 14 milhões de contos do Fundo de Desemprego para o Orçamento do Estado, quando os benefícios fiscais às empresas ultrapassam os 25 milhões de contos, os chamados incentivos financeiros ultrapassam os 30 milhões de contos e são de muitos milhões as indemnizações aos ex-monopolistas, que novamente são co--responsáveis por uma boa parte dos salários em atraso.