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23 DE JANEIRO DE 1985

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Assim definia o artigo 1653.° do Código Civil de 1867 o contrato de aforamento.

Este tipo de contrato manteve-se ao longo da vigência do Código Civil de 1867 e no Código Civil de 1967, onde o instituto correspondente vem tratado na parte do Código que se ocupa dos direitos reais. Neste Código Civil de 1967 é dada a seguinte noção:

Tem o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse o desmembramento do direito de propriedade em dois domínios denominados directo e útil. Ao titular do domínio directo dá-se o nome de senhorio; ao titular do domínio útil, o de fo-reiro ou enfiteuta.

E antes da promulgação do Código Civil de 1867 já o aforamento tinha feito uma longa carreira. O direito romano, na sua última fase, admitia o contrato de aforamento, que teria transitado para o direito visigótico e deste para o direito medieval pós-reconquista.

Assim entendem Gama Barros e Vaz Serra. Outros autores, como Paulo Merea, entendem que o direito visigótico desconhecia o aforamento e assim este instituto terá renascido na Idade Média pós-reconquista por necessidade de resposta às profundas mudanças políticas, sociais e económicas originadas pela reconquista e à necessidade de fixar gente à terra e organizar a produção agrícola.

/á no fim do período da reconquista no século xu ter-se-á dado uma elaboração teórica da prática contratual seguida, à luz do direito romano, estudado já então pelo alto funcionalismo da corte que estudara o direito romano, em especial a enfiteuse do direito romano da época do imperador Justiniano.

Com o contrato de aforamento procuravam as partes garantir aos que cultivavam a terra estabilidade e a fruição de uma parte do seu trabalho e aos senhores da terra a fixação de gente nos seus domínios com o consequente pagamento da multiplicidade dos encargos devidos ao senhor, entre os quais o foro. Elemento essencial ao negócio era o foreiro transformar a terra de inculta em culta, se ainda não estivesse cultivada, e mantê-la em cultura, fazendo à sua custa as benfeitorias necessárias e tornando-se dono delas. Assim o foreiro que abandonasse a terra, deixando de a cultivar, perdia por esse facto o direito sobre ela, incluindo as benfeitorias.

Pelo facto de as benfeitorias pertencerem aos foreiros e porque o contrato de aforamento era de longo prazo, sendo frequentes os aforamentos vitalícios, ou por vidas ou ainda perpétuos, sobre as terras incidiam dois direitos reais distintos: o direito do senhorio ao solo e o direito do foreiro às benfeitorias (plantações e construções). Sendo assim, o foreiro, dono das benfeitorias, podia transmiti-las, com todos os demais direitos e encargos, aos seus descendentes, ou ainda por venda ou doação.

Com a revolução liberal ocorrida em Portugal em 1820 e consolidada depois na década de 30 inicia-se um longo processo legislativo que culmina com o Código Civil de 1876. Este diploma impõe a perpetuidade para o aforamento, obriga a que o foro seja certo e proíbe quaisquer outros encargos para o cultivador, salvo o encargo do laudémio se o contrato era anterior.

O Decreto de 23 de Maio de 1911 concedeu ao foreiro a faculdade de redimir o foro, pagando ao senho-

rio um capital proporcional ao seu valor. Esta faculdade foi posteriormente, em 1930, introduzida no Código Civil de 1876 com a nova redacção dada ao artigo 1654." pelo Decreto n.° 19 126, de 16 de Dezembro de 1930.

Após o 25 de Abril foram abolidos os aforamentos, transferindo-se para os foreiros a propriedade plena dos prédios aforados, pelo Decreto-Lei n.° 195-A/76, de 16 de Março. A extinção operou-se por força da lei, sem necessidade de qualquer processo. O Decreto-Lei n.° 546/76, de 10 de Julho, determinou que as operações de registo predial correspondentes à extinção dos foros fossem feitas oficiosamente e sem encargos.

II — A contribuição dos contratos de aforamento para a actual estrutura fundiária

As ordenações Afonsinas não permitiam que os contratos de aforamento fossem feitos por prazo inferior a 10 anos, nem que os contratos de parceria ou arrendamento fossem celebrados por prazo superior a 10 anos.

Assim o contrato de aforamento era preferido sempre que o senhor da terra pretendia que o cultivador arroteasse a terra ou fizesse plantações de longa duração. Para que o cultivador tivesse a garantia de beneficiar durante um tempo suficientemente longo do uso da terra era preciso que o contrato fosse feito por um prazo correspondente.

Deste modo, em todas as regiões do País em que as condições do solo e do clima, ou as condições económicas, impunham, ou um duro trabalho de surriba, de construção de muros de suporte, de drenagem e de captação e condução de águas, ou culturas ricas de longa duração, como a vinha, a amendoeira e a figueira, a terra foi entregue em regra aos cultivadores por contrato de aforamento. Criaram-se assim condições para uma ligação permanente dos cultivadores à terra por eles agricultada. Esta ligação, tutelada pelo direito, podia ser transmitida aos herdeiros ou alienada por venda ou doação.

Assim foram conquistados ao baldio a generalidade dos terrenos de cultura dos vales do Norte e do Centro do País, onde se faz essa obra admirável de domínio da terra e da água que tornou produtivos esses terrenos.

E no Sul do País, nas regiões onde as condições comerciais permitiam uma fácil comercialização do vinho e dos frutos secos como era a península de Lisboa e a região ribeirinha dos portos do Algarve, os senhores da terra entregaram-na em aforamento aos cultivadores para beneficiarem dos rendimentos superiores dessas culturas.

A evolução do instituto foreiro, como já vimos no ponto i, reforçou progressivamente as garantias dos cultivadores foreiros, transformando em 1867 todos os foros temporários em perpétuos e permitindo, em 1911, ao foreiro remir o foro, tornando-se proprietário da terra, contra o pagamento de um capital proporcional à prestação anual.

Deste modo, os foreiros começaram em 1911 um acelerado processo de remissão das terras foreiras que cultivavam.

Assim, os cultivadores do Norte e Centro do País, da península de Lisboa e da região ribeirinha do Algarve tornaram-se donos das terras que cultivavam e criaram nessas regiões a estrutura fundiária que as caracterizaria: predomínio da pequena e da média propriedade.