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II SÉRIE — NÚMERO 41

Nas zonas planas ou quase planas da Beira Baixa, Ribatejo e do Alentejo o solo não precisava de ser arroteado, nem a terra armada em socalcos para ser cultivada.

Por outro lado, o domínio da água era difícil, e não estava ao alcance dos cultivadores.

Nas zonas planas do Ribatejo as cheias impediam o controle da água.

Na área restante o controle da água exigia a construção de albufeiras demasiado grandes para poderem ser feitas por cada um dos cultivadores.

Por isso a terra era entregue em aforamento não aos seus cultivadores directos, mas a verdadeiros empresários agrícolas capazes de reunir o capital suficiente em gado (vacas, ovelhas e porcos) para pastar grandes áreas e para lavrar (bois) a área indispensável para a produção do alimento básico (pão) necessário à manutenção e pagamento dos trabalhadores permanentes e eventuais da exploração (criados, guardas, capatazes, pastores, carpinteiros, ferreiros, pedreiros, ganhões).

Toda a terra excedente era entregue para exploração precária a cultivadores, que, ou eram os próprios criados ou trabalhadores, ou camponeses independentes.

O cultivador que recebia a terra limpava-a de mato, com as cinzas adubava a terra e semeava uma seara de pão da qual pagava uma parte ao lavrador. Terminada a colheita a terra era abandonada ao pastorio dos gados do lavrador. Para cultivar nova seara o seareiro tinha que limpar de mato a nova área. Assim foram os seareiros que progressivamente transformaram os matagais alentejanos e do Ribatejo em campos cultivados a pão, sombreados de azinheiras e de sobreiros para sustento dos porcos criados em manadio pelo lavrador.

Deste modo, os aforamentos alentejanos e ribatejanos converteram-se em propriedade plena nas mãos dos lavradores, que eram essencialmente ganadeiros, não tendo os seareiros, que eram os verdadeiros cultivadores da terra, sido beneficiados pela legislação liberal do século xix e do princípio deste século. A precariedade da ligação dos seareiros a um lote de terra concreto determinou a não atribuição, pelo direito liberal, ao seareiro, da possibilidade de se manter perpetuamente nesse lote e posteriormente de se tornar dono dele.

Com o desenvolvimento dos transportes internos no século xix (estradas e caminhos de ferro) e o crescimento urbano de Lisboa e Porto, o trigo tomou-se uma cultura lucrativa para os agricultores alentejanos.

Por essa razão os seareiros foram sendo progressivamente expulsos das terras mais férteis e reduzidos à situação de puros assalariados, reservando-se os lavradores as terras para as cultivarem directamente com a mão-de-obra dos antigos seareiros expulsos da terra e convertidos em assalariados e com os pequenos cultivadores dos vales das searas algarvias e do Norte do Tejo, emigrados temporariamente.

Deste modo se criou a grande propriedade latifundiária do Alentejo, Ribatejo e Beira Baixa, que sofreu o primeiro grande abalo com as ocupações de 1975.

III — Os casos de aforamento aos cultivadores no Ribatejo e no Alentejo

Apesar do que acima se diz, surgiram ao longo dos séculos diversos casos de entrega permanente de pequenos lotes de terra a cultivadores. A entrega dos lotes

foi feita pelas razões mais diversas. Umas vezes por razões humanitárias, outras para garantir a fixação no local da mão-de-obra necessária nas restantes herdades, e outras ainda por, na impossibilidade de dirigir directamente a exploração, se considerar ser esta a forma de obter maior rendimento da terra. Deste modo, em diversas localidades do Alentejo e Ribatejo, foram loteadas herdades e entregues em pequenos lotes a cultivadores. Os loteamentos anteriores à legislação liberal converteram-se em pequena propriedade, e uns lotes subsistiram até hoje, enquanto outros foram sendo progressivamente integrados nas herdades confinantes. Os loteamentos posteriores à revolução liberal e em especial os posteriores ao Código Civil de 1867 foram na maior parte dos casos feitos sem título, contra o disposto na lei então vigente que obrigava a escritura pública e a registo predial. Todavia, a prática sempre seguida foi a de as partes (senhorio e cultivador) os considerarem como aforamento, assim designando o contrato, reconhecendo ao cultivador o direito a transmitir por morte ou por contrato entre vivos as benfeitorias com o direito de cultivar a terra, e considerando-se o contrato como feito sem prazo, isto é, como perpétuo.

A proximidade entre o contrato de aforamento e o de arrendamento, a falta de escritura pública e de registo e o esmagador poder social e económico do senhorio em relação aos cultivadores favoreceram a qualificação deste contrato como de arrendamento rural, sempre que o senhorio levava o cultivador ao tribunal ficando deste modo o foreiro desapossado das benfeitorias e sendo expulso da terra.

Não obstante estas decisões judiciais serem erradas, explicam-se por a atuação económica do foreiro ser de tal modo débil que não podiam pagar a advogado que os defendesse e não ousavam sequer fazê-lo por considerarem impossível ganhar o pleito contra o senhorio.

IV — Os foros da Várzea Fresca de Salvaterra de Magos A) Caracterização — Conflito com o senhorio

Os foros de Salvaterra de Magos são uma povoação do concelho e freguesia de Salvaterra, constituída por pequenos agricultores que foram foreiros e hoje são na generalidade donos das terras que cultivam. Receberam há algumas gerações terras de mato. Desbravaram--nas, abriram poços para as regar, plantaram vinhas e árvores de fruto, construíram as suas casas e criaram assim uma próspera povoação onde vivem com desafogo alguns milhares de pessoas.

Integrados nos foros de Salvaterra estão os foros de Várzea Fresca. Estes tiveram origem no loteamento feito há várias gerações da Herdade da Califórnia pertencente à família Oliveira e Sousa.

Durante o fascismo a família Oliveira e Sousa, que dominava a Câmara Municipal, opunha-se a que os foreiros construíssem nos foros casas de habitação, melhorassem as que já tinham ou fizessem quaisquer outras benfeitorias. Com intenção de expulsar os cultivadores sem os indemnizar. Esta proibição levou à superocupação das casas existentes e à sua progressiva degradação, o que originou descontentamento generalizado e determinou os foreiros a construir contra a proibição do senhorio. O senhorio demoliu 2 casas em adiantado estado de construção e passou a vigiar,