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22 DE MARÇO DE 1983

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cia se não revista da ressonância moral característica do direito criminal;

Alinhamento com os modernos movimentos da descriminalização que, em grande parte, resultaram da hipertrofia do direito criminal, sem que por descriminalização se entenda uma atitude puramente negativa ou abstencionista por parte do Estado, mas sim um método de purificação do direito criminal de formas de ilícito cuja sede natural é o direito de mera ordenação social, como acontece com as contravenções tradicional e indevidamente integradas no ordenamento jurídico-penal;

Enfim, a necessidade e a urgência de conferir efectividade ao direito de mera ordenação social que, após a revisão de 1982, logrou expresso reconhecimento constitucional [Constituição da República, artigos 168.°, n.° 1, alínea d), e 283.°, n.° 2], bem como a necessidade de respeitar o princípio da subsidiariedade do direito penal, hoje sem dúvida reflectido na mesma Constituição (artigo 18.°, n.° 2), segundo o qual o direito criminal deve apenas ser utilizado como ultima ratio da política criminal, destinado a punir as ofensas intoleráveis aos valores ou interesses fundamentais à convivência humana, não sendo licito recorrer a ele para sancionar infracções de não comprovada dignidade penal.

2 — Por outro lado, a consagração do ilícito de mera ordenação social vinha, de há muito, a ser reivindicada pela doutrina mais representativa, cora notável insistência (').

Por último, cumpre recordar que uma tentativa de impugnar o Decreto-Lei n.° 232/79, de 24 de Julho, com fundamento na inconstitucionalidade de algumas das suas disposições, saldou-se em fracasso perante a Comissão Constitucional e o Conselho da Revolução (veja, respectivamente, o parecer n.° 4/81, em Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 14.°, pp. 225 e segs., e a Resolução n.° 71/81, de 25 de Março, no Diário da República, 1." série, de 9 de Abril de 1981).

3 — Se o Decreto-Lei n.° 232/79 podia razoavelmente ser criticado por não ter sido precedido de um estudo das realidades a que propôs aplicar-se —ao mandar equiparar às contra-ordenações as transgressões previstas na lei vigente a que fossem aplicáveis sanções pecuniárias—, o que determinou a revogação do correspondente preceito pelo Decreto-Lei n.° 411-A/ 79, de 1 de Outubro, assim ficando todo o diploma desprovido de qualquer eficácia directa e própria (do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro), justo é reconhecer que semelhante critica não pode ser dirigida ao legislador de 1982.

(') Cf., neste sentido, Eduardo Correia, Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social, separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1972; e Jorge de Figueiredo Dias, Lei Criminal e Controle da Criminalidade, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa. 1976: Os Novos Rumos da Política Criminal e o Direito Penal Português do Futuro, idem, 1983; «O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social», nas fornadas de Direito Criminal, ed. do CEJ, pp. 315 e segs.; e, por último, «Para uma dogmática do direito penal secundário», na Revista de Legislação e Jurisprudência, n.°* 3715 e 3716.

Este, com efeito, não só exceptuou da revogação do Código Penal de 1886 as normas relativas a contravenções (artigos 6.° e 7.° do Decreto-Lei n.° 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o novo Código Penal), como não repetiu no Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, a tentativa de equiparar ex lege as contravenções e transgressões existentes às contra-ordenações, cujo novo regime foi instituído por este último diploma O.

Ficaram, assim, a coexistir três tipos de ilícito: criminal, contravencional e contra-ordenacional, o segundo tendencialmente destinado a desaparecer a mais ou menos curto prazo.

Como ponderou Figueiredo Dias, esta solução triá-dica e temporária, em «certa medida compreensível», terá resultado do receio, por parte do legislador, dos efeitos práticos nocivos que poderiam ligar-se a uma global e automática transformação das contravenções vigentes era contra-ordenações.

Só que a «compreensão» demonstrada releva de duas condições: de futuro o legislador não deve criar nem mais uma contravenção deve, desde já, empreender um estudo sistemático de todas as contravenções existentes e decidir quais delas pode desde logo revogar, quais delas deve transformar em contra-ordenações e quais delas deve converter em crimes, publicando no mais curto lapso de tempo os respectivos diplomas legislativos.

Termina, deste modo, aquele autor:

Se o não fizer, se não realizar na íntegra as duas condições acima expostas, então bem poderá dizer-se que foi posto em causa, porventura irremediavelmente, um dos pilares em que assenta a nossa reforma penal e uma das manifestações praticamente mais relevantes do mandamento político-criminal da descriminalização (3).

4 — Esta política criminal tem sido levada a prática pelo legislador, contando-se já por dezenas os diplomas que introduziram tipos conrra-ordenacionais, novos ou resultantes de transformações de antigos tipos contravencionais e, mais raramente, até de tipos criminais (despenalização). Por vezes, no entanto, o legislador tem esquecido os ensinamentos da doutrina e as opções tomadas em 1982 e volta a criar tipos contravencionais, sobretudo em matéria fiscal (4).

5 — Com o Decreto-Lei n.° 98/84, de 29 de Março, fez actuar o ilícito de mera ordenação social no domínio das posturas e regulamentos das autarquias, más aqui não resistiu à tentação de transformar em contra--ordenações as contravenções e transgressões às postu-

O Opção de política legislativa, aliás, criticada pela doutrina. Neste sentido, veja, de Eduardo Correia, «as grandes linhas da reforma penal», citada publicação do CEJ, p. 37, e de Figueiredo Dias, citado estudo «O movimento da descriminalização [...)», ibidem, p. 325.

(') Cf. o estudo citado em último lugar, ob. cit., pp. 325 e 326.

(') Exemplo desta prática é a recente legislação relativa ao IVA (imposto sobre o valor acrescentado) que consagra anacrónicas sanções contravencionais além de outros defeitos. Tanto mais de estranhar quanto o Ministério das Finanças empreendeu recentemente a elaboração de um projecto de decreto-lei para criminalizar determinadas infracções fiscais, o qual prevê a transformação de todas as actuais contravenções previstas em diplomas fiscais, que não devam passar a constituir crimes, em contra-ordenações, sancionáveis coo> coimas.