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II SÉRIE — NÚMERO 70

ras e regulamentos locais em vigor, que eram punidas com penas pecuniárias (artigo 17.°, n." 4).

Com o Deere to-Lei n.° 108/84, de 30 de Março, legislou-se em termos semelhantes para os regulamentos dos governadores civis (artigos 1.° e 2.°).

As reacções não se fizeram esperar.

A comodidade que representava o processo de transgressões regulado no Código de Processo Penal é bruscamente substituída pela relativa incomodidade do processo por contra-ordenações: ali, em regra, um simples «auto», que aguardava o pagamento voluntário ou a remessa a tribunal, e geralmente lavrado pelas autoridades policiais e fiscalizadoras; aqui, um «processo» em que é preciso fazer diligências de prova, em que não é permitida a aplicação de uma coima sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de sc pronunciar sobre o caso, enfim a responsabilidade pela própria decisão, agora a cargo da autoridade administrativa.

Comprende-se que tudo isto tenha suscitado alguma oposição, mais ou menos declarada, por parte de quem, nos termos da lei, passou a ter a «responsabilidade» de averiguar ou mandar averiguar as infracções e aplicar as correspondentes sanções.

6 — Mas já não se compreende tão bem o receio da «desqualificação» dos agentes administrativos e do perigo de «arbítrio».

Afinal, o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas por violação de posturas e regulamentos locais é da competência dos órgãos executivos das autarquias, se bem que delegável em qualquer dos seus membros (Decreto-Lei n.° 98/84, artigo 20.°), os quais são eleitos por sufrágio popular e se presumem aptos para decidirem variados assuntos de interesse público compreendidos nas atribuições gerais das autarquias, que podem suscitar problemas de difícil resolução, inclusive em matéria jurídica.

Pensar em termos de «desqualificação» para decidir em matéria de contra-ordenações é o mesmo que admitir a «desqualificação» para toda uma série de actos, decisões e deliberações regidos pelo direito administrativo, que os órgãos autárquicos diariamente praticam, pressupondo, quando menos, uma certa sensibilidade para a respectiva adequação a normas jurídicas, que nenhuma autoridade administrativa pode dispensar.

7 — Relativamente à diminuição das garantias típicas do processo penal, trata-se de uma crítica que normalmente acompanha as experiências legislativas similares da nossa, como aconteceu em Itália com a Lei n.° 689, de 24 de Novembro de 1981 (modifice al sistema pénale).

Também aí não faltaram vozes (Nuvolone, Sinis-calco, por exemplo) a denunciarem os «perigos da disciplina processual própria dos illeciti amminisirativi», em contraste com as disposições de direito substantivo (semelhantes às do sistema penal) que, estas sim, constituiriam um quadro de normas e de elementos em condições de oferecerem razoáveis garantias aos cidadãos.

Criticou-se, em suma, a solução de confiar à autoridade administrativa a competência para o juízo sobre a correspondência do facto concreto com a norma legal abstracta e para a aplicação da sanção, argumen-tando-se que a fase jurisdicional, perante um magistrado, era essencialmente prevista com o sentido de um controle da legitimidade do acto administrativo

que conclui o iter processual (a ordem de pagamento); e por essa e outras razões, afirmou-se que a tutela do cidadão era gravemente reduzida no que respeita às garantias reconhecidas no processo penal (s).

8 — Quem tiver alguma experiência da prática dos tribunais dificilmente se convencerá de que o processo por contra-ordenações, desde que escrupulosamente observado, oferece menos garantias para o infractor do que o actual processo de transgressões, que, em épocas de «contencioso de massa», como a que estamos vivendo, com os milhares de casos decididos diariamente sem a presença do arguido, mais não é do que uma espécie de «homologação judiciária» do auto de notícia levantado pela autoridade fiscalizadora.

De resto, a diferente natureza dos ilícitos em causa também não deixa de ter as suas consequências no plano das garantias processuais: não é o mesmo decidir e julgar um comportamento que atinge relevo penal, e um outro cujas reacções não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, por isso, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal, como se exprimiu Eduardo Correia (veja preâmbulo do Decreto-Lei n.° 232/79).

Apesar de tudo, as coimas não são garantidas por medidas coactivas de privação da liberdade, ao contrário das multas por contravenções, e não constam do registo criminal, e a reincidência não é configu-rável nas contra-ordenações. E a ausência de censura ético-jurídica faz com que a injunção administrativa de pagar uma coima não deslustre nem diminua socialmente o arguido.

9 — Mais razoável se afigura a crítica da possibilidade de o sistema propiciar fenómenos de invasão da esfera dos ilícitos criminais.

Mas não faltam, evidentemente, meios legais para evitar esse perigo ou para remediar as suas eventuais consequências: desde a impugnação era sede de inconstitucionalidade dos diplomas que transgredirem a fronteira divisória do ilícito de mera ordenação social e do ilícito criminal até à impugnação judicial das decisões fundadas em tipos de contra-ordenações que eventualmente dissimulem verdadeiros ilícitos criminais.

E, que se saiba, ainda nenhum diploma dos muitos que já consagraram tipos de contra-ordenações foi objecto de crítica por ter transgredido o princípio da contenção daqueles ilícitos no espaço reservado à mera ordenação social.

Reflectindo sobre este assunto, disse Figueiredo Dias que «não é à Constituição que se pode pedir que decida em todos os casos e em cada caso, de forma imediata, se uma certa conduta deve constituir um crime ou antes uma contra-ordenação», acrescentando:

Mas não tenho dúvida de que é a ela que importa recorrer quando se suscite a questão de saber se foi ou não respeitado o princípio material que há-de estar na base da decisão de qualificação legislativa e comandá-la.

Tanto mais — e será esta a minha última consideração nesta matéria— quanto uma tal qualificação releva de um ponto de vista jurídico-

(') Maiores desenvolvimentos podem ver-se na documentação das III Jornadas Latinas de Defesa Social, realizadas em Aix-en-Provence de 29 de Setembro a 1 de Outubro de 1982 (relatório da delegação portuguesa).

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